spoiler visualizarBotassari 16/03/2024
O Processo
?Era como se a vergonha do fato fosse sobreviver a ele.?
Não é uma leitura fácil, não pela escrita, mas por ser uma obra fundada em confusão, vergonha e estagnação, tal como outros livros do autor. Conforme passam as páginas, certos trechos se arrastam, muito é perguntado, pouco é respondido. O mundo da história é um labirinto torturante, sufocante, sem lógica alguma, e o fantasma da Lei paira sobre os ocorridos, sem jamais se dar o trabalho de se fazer entender. Lentamente, o protagonista se vê cada vez mais confinado na situação de seu processo, sem perspectiva alguma de se ver livre. Os capítulos vagam entre contatos com oficiais, advogados, familiares, juízes, conhecidos e outros acusados, no entanto, a estrutura da Lei e do processo são monstruosas demais para serem compreendidas.
No penúltimo capítulo, o mote central da história é ressaltado com a parábola do homem do interior, contada pelo padre na catedral, uma representação da inação e da fraqueza que, novamente, permeiam as obras desse autor. Entretanto, considerando a história inteira, não acho plausível acusar Josef K. de ser alguém inerte e fraco, porém, similar ao personagem da parábola, era impossível para ele reverter sua situação e seu julgamento final.
Enxergo nessa história, além da óbvia sátira à burocracia, uma escancaração do sentimento de culpa e da necessidade de buscar se defender algo maior do que nós, algo intangível e magnânimo, uma condição que pode assombrar uma vida inteira. Claro, nesta obra, nem o livramento e nem o esclarecimento são obtidos. Kafka não concluiu certos capítulos e abandonou o livro incompleto, no entanto, a solidez e a assertividade das últimas páginas indicam que a luta desta história sempre esteve inevitavelmente perdida.