Craotchky 08/08/2023Uma "não-resenha" outra vez (Este texto não é uma resenha!)
Logo que recebi o box Grandes obras de Shakespeare, da editora Nova fronteira, tirei um tempo para grifar nela todas os grifos que estão em outras edições de Shakespeare que eu tenho na estante. Durante o processo, foi inevitável comparar as traduções das diferentes edições. Por incrível que pareça, achei a tradução da consagrada Bárbara Heliodora bastante MENOS rica que a tradução que tenho de uma edição (em dois volumes, reunindo 9 peças do Bardo) da Abril de 1979, feita à duas mãos por F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes.
Penso realmente que a expressão "menos rica" é precisa. Quero deixar claro que a inevitável comparação que fiz não pretende manifestar qualquer opinião sobre qual a melhor tradução, e principalmente não emite opinião sobre qual é a mais fiel, uma vez que eu não tenho a mínima perícia para adentrar essa esfera. Expressa apenas minha forte impressão de que a tradução antiga dos volumes da Abril é mais rica que a renomada tradução da Bárbara, o que muito me surpreendeu.
Bem, temendo que essa minha impressão seja derivada do fato de eu ter tido contato primeiro com a antiga, vou compartilhar abaixo alguns trechos exemplificativos das duas traduções na esperança de que você opine sobre qual versão prefere. Eu prefiro a antiga, o que me levou a certa decepção, conquanto esperava gostar mais da tradução consagrada da Bárbara.
(p.s. O fato é que, no processo de replicar os grifos na edição do box, aconteceu a seguinte situação curiosa: Quando encontrava determinados trechos a ser grifados na edição da Bárbara, eu os lia e desistia de grifar, pois eles não pareciam tão bonitos quanto na edição antiga, essa sim grifada.)
Romeu e Julieta ato I, cena I.
B - Pena que o amor, tão lindo na aparência, Seja na verdade cruel e rude.
F/O - Ai de mim! Que o amor, tão gentil na aparência, tenha que ser tão cruel e tirano na prova!
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Macbeth, ato I, cena VI.
B - O amor que nos é dado traz problemas Que chamamos de amor.
F/O - O amor que nos persegue é frequentemente um tormento para nós e, contudo, nós lhe agradecemos, porque é o amor.
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Otelo, ato II, cena I
B - Morrer agora, Seria o auge da felicidade, Pois temo que minh'alma ora alcance Nível tão alto de contentamento Que outro momento tão confortador Não apareça no porvir.
F/O - Se me acontecesse morrer agora, este seria o momento mais feliz! Porque minha alma sente uma felicidade tão absoluta que tenho medo de que não haja um outro maravilhamento semelhante a este, no porvir desconhecido de meu destino!
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O mercador de Veneza, ato I, cena II.
B - Bom pregador é aquele que ouve e atende a seus próprios sermões; acho mais fácil dar bons conselhos a vinte pessoas do que seguir eu mesma um só deles;
F/O - O bom pregador é aquele que segue seus próprios preceitos; para mim, acharia mais fácil ensinar a vinte pessoas o caminho do bem, do que ser uma dessas vinte pessoas e obedecer a minhas próprias recomendações.
Além dessas edições antigas da Abril, também tenho uma edição da LePM de Rei Lear, com tradução de Millôr Fernandes. Assim, comparei a tradução do Millôr com a tradução da Bárbara, e novamente achei a dela menos rica:
Rei Lear, ato I, cena I.
B - Que os atos provem o vosso clamor, nascendo o bem do proclamado amor.
M - Que as vossas ações confirmem os belos discursos - que palavras de amor gerem atos de amor.
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Rei Lear, ato II, cena IV.
B - Os maus ficam co'aspecto bel melhor Junto a piores; não ser o pior Já merece elogios.
M - As criaturas perversas nos parecem agradáveis quando encontramos outras mais perversas; não ser o pior já é uma qualidade e merece elogio.
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Rei Lear, ato IV, cena I.
B - Mundo, ó mundo, Sem as mudanças pelas quais te odiamos, melhor velhice que a morte.
M - Mundo, mundo, ó mundo! se não fossem as estranhas mutações que nos fazem te odiar, a vida não aceitaria a morte!
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Rei Lear, ato V, cena III.
B - Surpresa é que a tanto resistisse; Só usurpava a vida.
M - É espantoso que tenha resistido assim; viveu muito tempo além da própria vida.