Estêvão 19/11/2020No prólogo de Augustus, de John Williams, temos a advertência de que o livro não se prenderá a fatos históricos, logo, o que temos em mãos é uma obra de ficção. Sem querer propor a discussão do que é história ou estória, afinal tudo é narrativa, entramos na obra cientes de que o que importa aqui não é sabermos o que foi o poderio de Roma na antiguidade – para isso, bastam os livros de história –, mas seus bastidores, principalmente no que diz respeito ao comportamento dos personagens envolvidos. Com isso, John Williams nos dá outro ótimo livro com personagens bem construídos, complexos, além de discutir, através de um romance epistolar, sobre a ganância humana e sua relação com o poder. .
Para trazer à tona tudo isso, construir o romance através de cartas foi primordial, pois observamos os acontecimentos sob diversos pontos de vista, o que nos possibilita também mergulhar na intimidade dessas relações, nos dando ferramentas para entender as motivações dos personagens. .
Dividido em três partes, o romance narra a chegada de Caio Otávio, Augustus, ao poder, sucedendo seu tio/pai, Júlio César, assassinado numa conspiração política. Essas partes possuem funções bem definidas na trama, com a primeira nos dando uma visão contextual dos acontecimentos históricos; a segunda mergulha na intimidade dos personagens, além de dar voz às mulheres na figura de Júlia, filha de Otávio, revelando seu papel naquela sociedade; já na última, e para mim a mais interessante, finalmente temos a voz de Otávio sobre tudo o que acompanhamos. .
Numa narrativa que vai e volta no tempo, Augustus, a partir desses personagens históricos, nos oferece um estudo do comportamento humano em um contexto que talvez seja o mais propício para isso: quando os personagens estão de posse do poder ou em busca de obtê-lo, e nada mais significativo de que esse poder seja de quase donos do mundo, como foram os imperadores romanos. É nesse cenário que Williams traz uma série de personagens que simbolizam a ética e a ganância, observando elementos essenciais do jogo político que até hoje se mantêm em evidência. .
Ainda no que diz respeito à época em que se passa a trama, a escolha também é significativa, pois dialoga com a produção artística da Antiguidade, muito preocupada em retratar os caracteres humanos. Ao fazer essa relação, os personagens parecem envolvidos em um jogo do qual não são capazes de sair, indo na onda dos acontecimentos como que presos a um destino já traçado para eles.
Se pensarmos que esses comportamentos ainda hoje se fazem presentes, essa ideia de imutabilidade se reforça, sendo uma forma de ler a nossa história e, por que não, a própria vida, na qual tudo se repete indefinidamente, e nós somos apenas engrenagens dessa grande repetição.
Viagens à parte, Augustus é mais um ótimo livro desse autor que já nos havia dado uma obra singular, Stoner, e que se junta ao time daquelas obras que, ao serem revisitadas, sempre irão revelar um pouquinho de nós mesmos, como toda grande obra faz.
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