Adson 04/02/2018
Decepção!
Já no início, o leitor é levado ao observatório de Arecibo, em Porto Rico, onde astrofísicos estão estudando um corpo espacial que está se deslocando rumo a um choque com a Terra. Dentre esses cientistas que estão observando o comportamento desse astro, chamado RA-6666, existem alguns que fazem parte de um grupo secreto chamado Grande Loggia da Escola da Sabedoria, e só eles sabem o verdadeiro significado desse fenômeno
Essa entidade, extremamente organizada e hierarquizada, diante dos resultados obtidos a partir do comportamento de Ra, resolve que é hora de tomar certas atitudes e convoca seu Conselho de Kheri Hebs para deliberarem sobre os próximos passos.
Ocorre que Ra enviou uma mensagem codificada e somente uma pessoa, dentre as que receberam o chamado da Loggia poderá encarar uma grande aventura para descobrir informações sobre o julgamento de Lúcifer, que se rebelara há milhares de anos atrás.
Vários membros da seita organização são designados pelo grão-mestre para concorrerem à única vaga para realizar essa missão juntamente com Nietihw, a filha da raça-azul. E esse cara é Sinuhé.
Depois de desvendar a mensagem cifrada, ele chega à Espanha, num pequeno vilarejo rural chamado Plaza de la Lastra, em Sotillo del Rincón, onde mora Glória. Um certo dia ocorre um fenômeno muito estranho: o relógio da prefeitura do local soa suas 66 badaladas. Só que ele está estragado há décadas, e somente alguns escolhidos ouvem o barulho, dentre eles, o prefeito, Sinuhé e Glória.
Detalhe: esse lugar existe mesmo, as construções que ele descreve existem, o relógio e a fonte com a deusa também são reais e existem alguns relatos na Internet de que alguns fenômenos realmente aconteceram com Glória, que é (ou foi) uma mulher do local.
O número 6 é um elemento muito presente nessa obra, e coincidentemente eu o dividi em 6 partes, sem saber da importância do numeral, para organizar minha leitura. Seria coincidência? Só sei que isso corresponde a 16,6666666% e que num dado momento eu suspendi a leitura após ler 66%… Sinais?
A partir disso, Sinuhé e Glória passam a investigar o fenômeno, com base, inclusive, nos conhecimentos que ele possui e transmite uma parte do que sabe a ela assim que passa a ter certeza de que ela é mesmo Nietihw. Ele passa por umas experiências de contato imediato, substâncias deixadas por seres que não sabemos se são entidades, fantasmas ou extraterrestres e faz um “amigo” bem diferente.
E num certo momento, de repente, a narrativa vira completamente, transformando-se uma fantasia muito complexa. No inicio o leitor acha que vai ser tipo um thiller, um livro de misterio e suspense, com investigação, um pouco de ficção científica. Então o autor joga o leitor num mundo completamente descompromissado com a realidade, com o tempo e espaço, altamente fantasioso, com seres fantasticos, magia, numerologia, invocações de palavras, mitos sagrados de outras religiões, várias épocas coexistindo…
No momento da virada da obra, os personagens são catapultados para um universo místico, num tempo e espaço completamente fora da realidade. Eles mudam de lugar, percorrem longos tempos e distâncias num piscar de olhos. Difícil de acompanhar.
J. J. Benitez tem o dom de enrolar. O leitor sabe que está sendo engabelado, mas quer saber onde diabos o cara quer chegar.
Este universo é baseado no livro de Urântia (ou Iurancha, como o autor preferiu usar o nome do nosso planeta de acordo com essa corrente mística). Esse livro existe na realidade e serve de base para uma corrente esotérica. Mas essa não é a única que Benitez usa em sua obra. Aqui ele mistura cabala, numerologia, cristianismo, ufologia, mitologia, matemática e história egípcia… Enfim, uma salada desgraçada viagem muito louca. Em vários momentos eu me perguntei que dorgas o cara usou para escrever esse livro!
É certo que Benitez bebeu muito na fonte do livro de Urântia para escrever as partes em que ele é didático e explica todos os fundamentos da Escola da Sabedoria, toda a mega estrutura e toda a mega hierarquia e toda a mega burocracia dos universos e seus setores e entidades e seres fantásticos… Uma chatice que não leva a nada. Não faz muita diferença para a narrativa aquela quantidade imensa de detalhes impossíveis de serem entendidos pelo leitor. Ele poderia ter resumido e muito tudo isso.
Uma clara influência da era new age, do era de Aquarius, seja lá que porra o que for, já que o livro foi publicado pela primeira vez em 1985.
Porém, apesar dos pesares, a obra tem seu ponto positivo, que é oferecer um outro ponto de vista acerca de tudo que conhecemos sobre a criação do universo e, consequentemente, a da Terra e da humanidade (essa viagem é muito louca 🤣🤣🤣🤣🤣). Uma outra visão sobre Belzebu, Lúcifer, Satã, que para os que crêem nessa corrente esotérica, são personalidades diferentes. Oferece algumas críticas ao cristianismo, ao modus operandi da humanidade atual (da época) e traz uma outra definição do que conhecemos como Santíssima Trindade (aquela composta por Pai, Filho e Espírito Santo), sendo o mais interessante disso tudo a “verdadeira” identidade de Jesus Cristo, o Micael. De fato, ele desconstrói o que achamos que é o bem e o que é o mal.
Além disso, há uma polêmica que envolve questões de raça. Muitos leitores acusam a obra de ser racista, pois a ela retrata, nas origens da humanidade, um conjunto de raças, sendo umas superiores às outras. Eu não entendi dessa forma, pois há um contexto totalmente inserido em uma fantasia. Mas não deixa de ser plausível.
O interessante é que em vários momentos a narrativa parece um jogo de videogame: o personagem precisa enfrentar perigos, desvendar enigmas, contar com a ajuda de um outro personagem que o acompanha e o auxilia a enfrentar terríveis chefões. Tudo isso para entender a rebelião de Lúcifer e chegar nos arquivos secretos de Iurancha, que é como se fosse uma pedra filosofal ou um santo graal. Lúcifer não é esse diabo que pintam e está prestes a ser julgado (lembrando que o tempo é relativizado em vários momentos da obra, o que é explicado em detalhes matemáticos pelo autor).
E a obra termina com muita coisa em aberto (inconclusa mesmo), como é o jeito Benitez de fazer. Operação Cavalo de Tróia é assim também. Cada livro termina de um forma que o leitor pensa: “agora vou ter que ler o próximo…” e o próximo deixa mais coisas em aberto, para que o leitor leia o próximo… e assim vai. Mas Cavalo de Tróia é muito bom! Tanto é que é minha série favorita. Totalmente diferente de A Rebelião de Lúcifer.
Há algumas ressalvinhas na tradução, mas não vou me ater a isso.
Conselho do tio: mente aberta e coração pronto, ou poderá se ferir. Se existe uma coisa a ser reconhecida nessa obra é a sua coragem de abordar um tema tão tabu num mundo cristão. Assim como em Cavalo de Tróia, o autor mexe com dogmas que estão arraigados em nosso íntimo, porque, pois mais que não pratiquemos a religião, temos raízes cristãs e seus reflexos estão em todos os lugares.
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