Ygor Gouvêa 27/12/2021Ah, a tal da semiótica. Começamos um livro, a ler e inevitavelmente interpretar, algo nos impulsiona, associamos ideias, imagens, inconscientemente fazemos escolhas, somos levados por um turbilhão subjetivo, mesmo quando nos convencemos do contrário, o consciente vem a posteriori. Um ponto, uma passagem nos atrai no emaranhado do texto, a partir daí ou mesmo antes já estamos previamente caminhando sob um fluxo pessoal, que diz muito de nós mesmos, do que buscamos e acreditamos, mas também nos impulsionam a caminhos inesperados, a centelhas instantâneas de contemplação, que nos eleva a um ponto entre nós e o texto, a momentaneamente ter acesso ao infinito, delineando um outro estágio de nossa realidade. Em outros momentos, pontos diversos podem nos atrair, o que naturalmente nos leva a outras experiências e visões sobre uma obra, daí a importância não só de ler mas reler, de saber se afastar da leitura pra voltar a ela com novos olhos, aberto a novas possibilidades. É sempre importante se permitir, não se engessar, não buscar o mesmo, não se impor barreiras, limites, sempre começamos pela metade, nunca estamos realmente preparados, mas aí está a beleza da aventura.
Creio que na leitura de poemas podemos mais facilmente enxergar isso. Poesia geralmente não possui interlocutores, é muito pessoal, o autor expõe dúvidas e angústias, estabelece imagens, símbolos que melhor representam pra si suas visões, seus momentos de efervescência criativa. Mas se engana quem busca uma cartilha, quem pensa que existem valores, significados predeterminados, cada autor tem um léxico particular, mas mais do que isso, mesmo que o autor possa ter uma ideia predefinida pra si mesmo, a obra deixa de pertence-lo quando publicada, claro que podemos estuda-lo, buscar estabelecer associações especificas pra suas imagens, engessa-lo, na verdade mesmo sem o fazer, sem de fato o estudar, é o que instintivamente fazemos a cada leitura, de alguma forma estabelecemos para nós mesmo o que a obra representa, o que certas palavras e expressões recorrentes podem representar. Poema é muito mais fácil reler, pela sua extensão, e não sei vocês, mas muitas vezes, mesmo quando o releio assim que acabei de ler, tenho a impressão de ter lido outro, novas associações, novas ideias me surgem. É claro que aos poucos também, à medida que lemos um livro de um autor específico, vamos uniformizando os possíveis símbolos de sua obra, buscamos afirmar para nós mesmos nossas suspeitas, nos colocamos a espreita de sempre encontrar no texto o que intuímos, sempre sim correndo o risco de limita-lo, mas também e principalmente de nos frustrar e estar sujeito a delícia de reinterpreta-lo, de mais uma vez nos afirmarmos que uma obra tem muitas saídas, que sua efemeridade e possíveis contradições fazem parte do gozo do texto.
A movediça poesia de Luci Collin nos fornece este espaço, em toda sua diversidade, tende ao caos, ao desassossego numa busca constante de acessar o insubmisso, poesia que não só se faz, irrompe, e que também busca refletir sobre os instantes de ímpeto criativo, sobre esse limbo entre o consciente e o inconsciente, sempre buscando "flagrar a graça do visto", o que está implícito. Me abstenho aqui de interpretá-la, deixo este prazer pra vocês, a suas subjetividades. Luci é uma grande autora, merece ser lida e reconhecida.
Texto escrito em novembro de 2020.