Ladyce 24/06/2018
Houve profundo conflito entre minhas expectativas e o resultado da leitura de "Estamos todos completamente transtornados", de Karen Joy Fowler. Obra aclamada, finalista do Man Booker Prize, vencedora do Pen/Faulkner Award não passou de uma leitura mediana, às vezes irritante pelo gancho, muito forçado, pelo jogo de esconde-esconde com o leitor, numa tentativa de atiçar o interesse até descobrirmos, só na página 88, (nesta tradução de Geni Hirata), o verdadeiro segredo da irmã desaparecida.
A narrativa é fácil de ser seguida, a linguagem é moderna quase coloquial mas, como a própria narradora admite, a história começa no meio. Esse ir e vir do passado ao presente e ao meio da história, essa narrativa picada, cortada em pedacinhos, não adiciona nem tem grande valor estilístico. É obra plena em humor. Mostra personagens interessantes. Mas a profusão de eventos, de memórias, de atividades de personagens secundários, que recebem nome e sobrenome, descrições detalhadas e inúteis, é irritante. Há uma abundância do desnecessário, detalhes que distraem a atenção do drama familiar acumulam curiosidades factuais dispensáveis, veladas pela constante mudança na linha do tempo. Mais de uma vez questionei se iria ou não terminar a leitura.
Não gosto de literatura com agenda, ou seja, literatura que defende um ponto de vista político, luta social, direitos humanos, direitos dos animais, religiões, e outros assuntos do dia a dia. Ensaios, dissertações, artigos em revistas especializadas se prestam para isso. A boa literatura mostra, não pontifica. A literatura perde quando se encontra com estas “boas intenções” dos autores. A narrativa em defesa de um argumento empobrece e estreita a mente, características que se opõem à literatura. Livros com agendas temáticas parecem-se com obras de autoajuda ou religiosas. Infelizmente, "Estamos todos completamente transtornados" pertence a este grupo. Por usar o subterfúgio da narrativa na primeira pessoa, a autora evita argumentos contrários. Temos então uma obra proselitista, de catequese. Uma história, um romance, que não passa de apostolado, de propaganda de causa, com excesso de números, dados, informações científicas, sem disfarce.
Não vou revelar a causa, nem a virada da narrativa quando descobrimos a verdadeira natureza de Fern, irmã de Rosemary, filha caçula da família Cooke. Mas não gostei de me sentir manipulada em diversos níveis. Primeiro nesta descoberta, e depois na pregação, no partidismo em favor da agenda da autora, que muito me comove, e com a qual posso até concordar plenamente. No entanto, submeter valor literário a qualquer causa como esta, é depreciar a imensa porta para o auto conhecimento, para a imaginação, para a maturação emocional do leitor revelados pela leitura. Há aqui uma reversão de valores que acho detestável.