Stella F.. 05/11/2019
Família e Arroz
O livro nos emociona, nos faz comparar a história da família apresentada no livro, com a nossa própria família, além de nos prender com sua escrita delicada, seu relato simples e gostoso de ler, e com frases marcantes que nos fazem pensar nas muitas famílias que conhecemos e muitas vezes julgamos errada. Certa é a nossa!
Família é prato difícil de preparar. Assim começa a apresentação da família de Antonio, agora com 88 anos, muitas experiências, decepções, erros e acertos e a vontade de reunir o que restou de sua família, com toda a sua diversidade e igual a tantas existentes no mundo.
“São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema – principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. [..] Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano – que diria? –solou, endureceu, murchou antes do tempo. [..] E você? É, você mesmo, que me lê os pensamentos e veio aqui me fazer companhia. Como saiu no álbum de retratos? O mais prático e objetivo? A mais sentimental? A mais prestativa? O que nunca quis nada com o trabalho? Seja quem for,não fique aí reclamando do gênero ou grau comparativo. Reúna essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte de sua vida. Não há pressa. [...] Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza”.
Cada família tem suas mazelas, qualidades, e cada uma tem uma fórmula de funcionamento que foi se estabelecendo ao longo do tempo. Queremos sempre ter a certeza de tudo, e como já sabemos, nada na vida é garantido, mesmo na família mais perfeita! O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. [...] Família é afinidade, é “Moda da Casa”. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.
Nosso narrador, filho mais velho de José Custódio e Maria Romana, pais portugueses que casaram em Viana do Castelo em 11 de julho de 1908, com uma chuva de arroz abençoada por Tia Palma e dada aos noivos de presente de casamento. Este arroz – plantado na terra, caído do céu como o maná do deserto e colhido da pedra – é símbolo de fertilidade e eterno amor. Esse arroz veio junto com o casal e a Tia Palma para o Brasil, no ano de 1909. Fez história na família, deu fertilidade, mas também muita dor de cabeça, muitas brigas e discussões. E Antonio se interessava pelas histórias familiares, e se considerava antônimo, diferente de seus irmãos que eram sinônimos. Ele preferia ficar em casa com sua Tia Palma, ouvindo as histórias e participando de seu teatro na tão querida quarta cadeira.
Antonio está sempre tentando fazer com que os irmãos, depois os filhos se interessem pela história do arroz, de como seus pais o tiveram por causa do arroz, como ele e sua esposa Isabel começaram um amor e tantas outras histórias.
Chega o dia do tão esperado almoço em família, para comemorar os 100 anos de casamento dos pais, e Antonio resolve que já é hora de todos terem um pouquinho do arroz, que ficou guardado por tantos anos, e que só uns poucos privilegiados provaram ou usufruíram de seus benefícios. Faz um panelão de arroz com o qual todos se regalam e adoram! Seu irmão então faz um discurso que o surpreende, e o emociona ao mesmo tempo. Não esperava essas palavras, de uma pessoa que parecia não se interessar nem um pouco pela história familiar.
Nicolau conta histórias. Umas, me encantam, porque desconheço. Outras, me surpreender porque o enfoque é diferente. Nicolau valoriza o que me passou despercebido, não dá importância ao que me foi essencial. Bonito ver nossa família assim por outro ângulo. Nossos Portugais também pouco se parecem. O dele, pasmo!, não está em sonhos de latas de azeite, é menos épico, é mais caseiro. Nicolau lembra emocionado a viagem que fez com Amália a Viana do Castelo. Sabe casos engraçadíssimos de primos e tios que lá ficaram. Reproduz lindas conversas que teve com dom Plácido, já bem velhinho, o tio-avô que casou nossos pais. [...] Como pode saber tanto a nosso respeito, o danadinho?! Ciúmes, Antonio? Cuida de ficar feliz aqui no seu canto. A fala é de Nicolau, a luz está toda sobre ele e não há meios de você lhe roubar a cena.
Viver em sociedade é difícil, em família também porque como nos diz Antonio, pode existir amor e amizade, mas afinidade não. Nada disso quer dizer que não sejamos parte dessa nossa família sagrada, destrambelhada família.
E assim como o autor, me despeço de Antonio e de sua família querida. Deu-me um prazer enorme conhecê-la e conviver um pouco com cada um.
Ao se despedir dos personagens o autor nos brinda no posfácio com a explicação para tanta afinidade: É que na essência, somos todos parecidos. Em nossas individualidades – mesmo movidos por vaidades e egoísmos – ansiamos por chegar ao outro, nos identificar com o outro, nos alegrar com o outro. Amar o outro, enfim. É por isso que nos interessamos por histórias caseiras, conversas de cozinha como as de Antonio – lembranças que se repetem sem fim, casos em comum do dia a dia de gente comum. Família somos todos. Em casa, na escola, no trabalho. Em terra nossa ou em terra estrangeira, é o elo familiar, seja ele qual for, que nos dá força, vida e sentido.