R4 26/11/2014
A essência do decadentismo em Às avessas
A literatura de fin de siècle, final do século XIX, é a que mais agrada meus gostos literários, especialmente por causa de Oscar Wilde, um dos meus escritores favoritos. O espírito artístico desse período ficou conhecido como Decadentismo e foi meu interesse por querer ler mais sobre as obras produzidas nessa época que me fez encontrar Às avessas, de Joris-Karl Huysmans (1848-1907).
Às avessas (À rebours) é um livro que não possui nenhum enredo e apenas conta apreciações estéticas de um aristocrata falido, chamado Des Esseintes, que se entedia com a vida social parisiense e resolve se refugiar em uma propriedade no campo. Ele se isola com o intuito de se dedicar exclusivamente à apreciação verdadeira da arte e resolve se cercar apenas da decoração que ele considerava mais elevada, das melhores obras de arte de seu tempo, das inusitadas jóias, dos melhores e mais raros livros, melhores poesias, dos mais ricos aromas e das mais diferentes plantas. Sua vontade era transformar sua própria vida em uma obra de arte. Sendo assim, cada capítulo de Às avessas mostra ao leitor as diversas apreciações estéticas e sensoriais de Des Esseintes. Por um lado, a obra revela e serve como estudo para o melhor da produção artística simbolista, como Odilon Redon e Gustave Moreau; um destaque e elevação para poetas como Baudelaire e Verlaine. Por outro lado, o personagem busca a apreciação pelo perverso, grotesco ou inalcançável. Essa obsessão pelo diferente e original, e seu claustro fazem com que Des Esseintes se torne doente encontre dificuldades de sobreviver longe dos cuidados e benefícios do contato social.
Esse livro foi o primeiro texto literário em prosa que se dedicou a aprofundar a atmosfera do decadentismo. Também conhecido como estetismo, foi um movimento artístico e social que buscava o prazer através da arte e do belo. Nesse sentido, o Decadentismo se afasta do realismo-naturalismo por tentar abordar temas mais elevados e menos mundanos. A principal figura dessa época é o dândi, um aristocrata que se exprime através de vestimentas originais e luxuosas, e possui uma apurada visão estética do mundo ao seu redor. Esse homem é a figura do aristocrata que tenta sobreviver e rebelar-se contra o capitalismo burguês da revolução industrial. Nesse sentido, o título do livro mostra que ele é A rebours (Às avessas) a toda a arte e gostos sociais da burguesia de sua época.
Através do espírito da decadência, o dândi dedica-se à fruição estética, ao estranho e ao artificial. Apesar de negar o realismo , devido ao seu apego ao feio e ao comum, o decadente também não pode ser considerado um romântico, porque encara a natureza como algo perverso e busca o prazer e a segurança apenas através de artificialidades, pois é como consegue controlar a beleza ao seu redor. É importante entender a figura do dândi para compreender o protagonista de Às Avessas. O aristocrata Des Esseintes é a personagem que representa, no livro, esse espírito de final de século através de sua busca pela arte, pelo seu afastamento do mundo comum e por sua busca pelo artificial, como no caso das flores exóticas e da tartaruga encrustada de pedras preciosas.
O preciosismo estético do decadente revela-se também através da linguagem, pois todo o vocabulário é escolhido por conta de seu som ou de sua raridade. Não há lugar para o comum no decadentismo. A linguagem inclui palavras preciosistas, pelo seu som pouco explorado, e para levar o significado além do que é usado. Assim como o som, o decadentismo – que anos depois se tornou Simbolismo – prima pela exploração dos sentidos através da sinestesia:
"Por outro lado, os cinzas-ferro se encrespam e se tornam pesados; os cinza-pérola perdem o azul e se metamorfoseiam num branco sujo; os castanhos se entorpecem e arrefecem; quanto aos verdes-escuros, assim como os verdes-imperador e os verdes-mirto, atuam da mesma maneira que os azuis carregados e fundem-se com os negros; restam pois os verdes mais pálidos, como o verde-pavão, o cinábrio e as lacas, mas então a luz exila deles seu azul e só lhes guarda o amarelo, que não conserva, por sua vez, senão um tom falso, um sabor turvo."pp.80
A descrição sinestésica para as cores mistura todos os sentidos, como o paladar, o tato e a audição para descrever algo visual como no caso das cores que ele considera para decorar sua casa, visto no trecho acima. Além das cores, são discutidos de forma semelhante: o cheiro dos perfumes, o toque das lombadas dos livros raros, comidas e assim por diante. Essas forma de fazer apreciações estéticas se torna um experimento bem sucedido para o escritor que busca representar o inefável.
O livro possui uma grande importância dentro da literatura, pois se tornou um marco para o espírito decadentista e influenciou Oscar Wilde – que também é um escritor do decadentismo - a escrever O retrato de Dorian Gray. O livro de Huysmans aparece na obra de Wilde através de Dorian, que o lê e descobre nele a vida voltada para o belo e para o prazer a qualquer custo: “Seus olhos caíram no livro amarelo que Lord Henry lhe enviara. (...) Era o livro mais estranho que já lera. Pareceu-lhe que em vestes requintadas, e ao som delicado de flautas, todos os pecados do mundo desfilavam lentamente diante dele. Coisas com que sonhava vagamente, de súbito faziam-se reais para ele.”. A leitura desse livro perverso somada às palavras maliciosas de Lorde Henry servem como estopim para a transformação do protagonista. Como leitora, senti uma certa satisfação por ler o mesmo livro que Dorian Gray leu.
Além disso, Às Avessas é um livro importante porque não possui uma narrativa romântica, já que a obra é formada por diversos ensaios de apreciação artística. O livro não possui uma história e nem uma ação, sendo até difícil resumi-lo. Ainda, possui apenas um personagem e tudo se passa em torno de seus gostos pessoais. Por essas características, o livro escrito em 1884 problematiza a narrativa romântica tradicional e adianta um tipo de literatura que só veremos posteriormente com escritores modernos do século XX, como Proust e Virginia Woolf.
HUYSMAN, Joris-Karl. (1984) Às Avessas. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Penguin, 2011. pp.