Nu e As 1001 Nuccias 07/08/2018Resenha do blog As 1001 NucciasPor ser surda, tenho em minha mente que descrições são importantes, porque fornecem todo o visual que precisamos em uma leitura.
Aí, eu peguei um livro em que um dos personagens principais é uma pessoa com deficiência visual. Sim, exatamente, cego. Fiquei mega curiosa para ver como seriam as descrições no livro e que grata surpresa ao me deparar com uma bela história!
Em AVS, conhecemos Gustavo, um professor do ensino médio, formado em Psicologia, cursando o mestrado na mesma área e cego de nascença. O livro começa justamente com o início das aulas de mestrado, com Gustavo fazendo novos amigos na classe, incluindo aí Violet, a sua "monitora" particular.
"O que há com seus olhos? (...) Perdão é que eles são perfeitos, só são... estáticos. - Ela se desculpou como se tivesse me acusado de pedófilo, bandido ou qualquer tipo de atrocidade."
Violet foi contratada pela universidade para acompanhar Gustavo em suas aulas e no que mais precisasse para dar continuidade ao seu projeto de psicologia social. Ele queria montar na escola uma sala cega, onde os alunos iriam ampliar na prática seus sentidos, excluindo aí a visão.
O livro é dividido em duas partes. O começo é voltado todo para a vida de Gustavo, o que ele faz na instituição, como os amigos o tratam, como a peguete só pisa na bola e como o amor entre ele e Violet floresce. A segunda parte é focada na Violet, em seu passado nebuloso e no que ela precisa enfrentar no presente. Também tem foco em como o Gustavo reage a isso.
Assim, eu gostei muito da leitura! É realmente interessante ter em mãos um livro em que os dados visuais não são o mais importante. Pela "visão" do Gustavo, aprendi a reconhecer a importância do cheio, do tato, do paladar e da audição em um livro.
"Não me incomoda ser chamado de cego. / Mas você é bonito - Ela acrescentou como se fosse alguma espécie de compensação. / Por quê? Os cegos devem ser pessoas feias? - perguntei incomodado."
Outro ponto a favor é que me identifiquei com o personagem quase instantaneamente por causa da deficiência. Por ter uma também. Então, eu sei bem o que são aquelas afirmações e perguntas sem noção que as pessoas fazem (até mesmo escrevi um livro sobre isso!).
A Violet é um amor de pessoa. Mesmo com seu passado conturbado (e convenhamos que não existe uma alma viva que não tenha uma bagagem pra carregar), ela é, na maioria das vezes, um amorzinho. Seu passado é que garante as outras vezes em que ela não consegue ser ela mesma. E a autora até que levou bem essa parte.
Sobre os demais personagens, todos bem construídos, na medida certa. Deu uma tremenda vontade de bater na Sheila, a peguete sem noção, e no Gustavo por insistir em ficar com essa coisa! A trupe de amigos aos quais Gustavo conhece ao longo do livro são ótimas figuras.
"Tenho uma memória muito boa, frequentemente consigo reconhecer as pessoas facilmente pela voz, pelo cheiro, pelo toque ou pelo andar."
Algumas cenas são bem impactantes, outras nem tanto. O livro precisa de uma revisão básica. A autora gosta de frases longas, o que mesmo com muitas vírgulas não deixa um tempinho da gente respirar. Alguns outros detalhes já foram repassados a ela.
"Videntes são tão dependentes de seus olhos. Basta apenas um breve olhar para eles fazerem milhares de suposições. Irão supor se é inteligente ou não, bem-sucedido, tímido, aventureiro. Irão lhe rotular de tudo que afirmam ser fato sem nem mesmo precisar ouvir uma única palavra sua, porque seu modo de vestir, seu estilo de vida e sua acompanhante dirão a eles tudo que precisam saber."
Outra coisa interessante: o livro já começa com inclusão! Há uma descrição da capa e das divisórias usadas. Além disso, cada vez que uma divisória aparece, há ainda o nome/palavra abaixo da imagem, assim o coleguinha com deficiência visual pode ouvir o livro tranquilamente.
No mais, é uma leitura muito agradável. Eu recomendo fortemente a quem busca sair da zona de conforto. É um romance, ok, e tem clichês, claro, mas também é de certa forma diferentaço.
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