Lucio 12/03/2020
A Esperança de Alcançar a Sabedoria Está Viva!
Este é um livreto de tirar o fôlego. Aos trinta e três anos, Agostinho praticamente começava a escrever e já nos brinda com uma obra rápida mas muito profunda. Ela lida basicamente, como o título já diz, de seus argumentos contrários aos acadêmicos - grupo ao qual ele havia se afeiçoado antes da conversão. Essa é, pois, a forma do abandono de Agostinho ao ceticismo no qual havia se inserido em tal escola.
O livro é dividido em três livros. No primeiro, Licêncio e Trigésio discutem se alguém precisa conhecer a verdade para ser feliz. Licêncio adota a perspectiva acadêmica e, a partir do pressuposto comum de que a felicidade estava na sabedoria, defende que a vida feliz está na vida em busca do saber, não necessariamente no próprio saber.
No segundo Livro, há um breve histórico da Nova Academia por parte de Alípio, em quem tinham muita expectativa de poder enfrentar Agostinho. É aqui que se encontra a essência da refutação aos acadêmicos. Eles dizem não poderem conhecer nada e que tudo o que se pode alcançar é o semelhante. Mas Agostinho nota que não se pode dizer que algo é semelhante sem se conhecer o verdadeiro.
No terceiro e maior Livro, Agostinho discute com Alípio essencialmente a refutação à ideia de que não se pode conhecer certamente qualquer coisa. Ele observa que a tese de Zenão de que nada é verdadeiro se tiver alguma semelhança com o falso é tomada como verdadeira. Nota que o sábio deve conhecer a sabedoria ou então não é sábio. Então, o suposto sábio acadêmico não seria sábio de verdade. Alípio deveria, pois, sustentar a tese de que não há sábio, o que é uma das ‘reductio ad absurdum’ aplicadas por Agostinho. No fim, ainda temos uma reductio bem trabalhada das consequências da tese acadêmica, a saber, se não erra quem se guia pelo provável, alguém poderia sustentar que lhe pareceu provável cometer todo tipo de crime e não poderíamos incriminá-lo. Ou, alguém poderia guiar-se pelo suposto provável e cair em erro ao passo que um crédulo, sem querer, poderia acertar. Assim, a sabedoria e a busca por ela se torna inútil. E sustentando teses assim, cerca Alípio até ele ter de admitir que é verdade que o sábio conhece a sabedoria.
Há várias citações de Cícero e poetas latinos. Há alusões a vários filósofos antigos e o texto funciona como uma riquíssima fonte de informações sobre a academia e seus filósofos. Carnéades, Zenão, Crisipo, Arcesilas, Metrodorus, Arquelau, Platão e até mesmo Aristóteles aparecem no texto que é, sem dúvidas, eivado de conhecimento dos filósofos que o precederam. Estoicismo, epicurismo e platonismo estão no presentes bem como, obviamente, o academicismo. Quem conhece essas filosofias terá condições de uma leitura mais rica.
O texto gira basicamente em torno da questão central da verdade. Há vários jogos lógicos e até se discute, em certa medida, se aquilo não era mero jogo de palavras. Há espaço para elucubrações epistemológicas profundas e a discussão sobre a felicidade - tema que pesquiso - não está ausente, havendo vários insights poderosos a seu respeito no texto. É um belo e riquíssimo texto filosófico. É recomendado para pesquisadores em geral, principalmente nesses dias pós-modernos, e para amantes de Agostinho e estudantes de filosofia antiga. O leitor não-filósofo poderá não só sentir algum estranhamento mas poderá perder de vista os refinados argumentos presentes e, na muitas vezes sintaxe truncada e raciocínios complexos, sentir-se desestimulado. Mas quem gosta de um livro rigoroso de filosofia não ficará decepcionado.