Luiz Pereira Júnior 26/09/2020
Sobre a empatia pelo protagonista
Um livro difícil, sem dúvida. Mas não pela linguagem, nem pelas ousadias narrativas, nem apenas e tão-somente pela temática abordada (um dos marcos na literatura norte-americana do século XX).
Um livro tenso, sem dúvida. Mas não apenas pela temática abordada (vale repetir), nem pelos conflitos exteriores (sim, você não leu errado) do protagonista.
Acredito que o maior conflito fique estabelecido na mente do leitor, que se vê dividido entre absolver um horrendo assassino apenas devido a sua cor.
Senão vejamos (não se preocupe: não é spoiler, pois destes fatos depende toda a narrativa subsequente do romance): Bigger é um negro pobre que vive em um ambiente de extrema miséria com sua família. Inconformado com a situação, acaba entrando (ou quase) entrando no mundo do crime (no caso, roubos e assaltos). Um emprego em uma casa de família branca lhe é oferecido e a família o trata muito bem. Bigger acaba matando acidentalmente a filha única do casal (mas o que ele faz em seguida é estarrecedoramente contado em detalhes por um narrador onisciente que tenta não tomar um ponto de vista, mas falha miseravelmente). Bigger foge e acaba matando sua própria namorada, mas desta vez de maneira premeditada e de forma terrivelmente cruel. Foge e é capturado (mas não estragarei a leitura contando o final).
O conflito se estabelece na mente do leitor: como perdoar um assassino tão feroz e que não se arrepende de nada, seja qual for a cor da pele? Por que o escritor não construiu um personagem um tanto mais humano, a ponto de nos sentirmos identificados com toda a sua revolta e sua angústia (perfeitamente justificadas, mas não a ponto de também justificar os terríveis assassinatos cometidos pelo protagonista)?
No final das contas, as palavras do advogado de defesa dos atos de Bigger Thomas parecem apenas um exercício de retórica, se comparados à monstruosidade explícita dos dois assassinatos. E antes que me acusem: sou negro e pobre, mas não me identifiquei com Bigger Thomas.
Antes de ser negro e antes de ser pobre, sou um ser humano.
E, antes que me critiquem, leiam o livro, não apenas assistam ao filme, que idealiza o personagem até o desfecho, destoando completamente da obra original.
Bem, pra falar a verdade, seria bem difícil transpor para um filme a crueza e a crueldade do romance (sem dúvida, uma obra excelente para nos fazer refletir) de Richard Wright.