Dri 29/03/2021
A narrativa não é fácil de digerir, apesar de não ter muitas páginas. Somos inundados por um turbilhão de informações. Sem romantização, sem pormenores, a autora trata com a familiaridade de quem sabe do que fala, como se não fossem necessários maiores esclarecimentos, sendo também o leitor conhecedor da sua realidade. Parece simplesmente descrever o ocorrido, sem nenhum espanto, lida com o sofrimento constante, a dor e a tortura desumana de forma naturalizada.
Em alguns momentos parece o resumo de um livro de história. Já em outros envolve, arrebata e nos faz sofrer com os personagens. Estranho seria não se perder em tantos nomes, famílias, datas, períodos, eventos, mais ainda se a educação que tive quando criança tivesse sido suficiente para entender tudo isso. Esse incômodo consiste na minha própria ignorância, e não pelo livro.
Aqui nós conhecemos uma parte da história tão pouco falada, distorcida, mal contada, de negros trazidos da África para o Brasil. Essa é a história de uma família - a da autora e do nosso país -, como tantas outras que vieram da mesma forma, forçada, subjugada, à cretinice e à soberba do rico homem branco. Fala da escravidão, das crises políticas, dos furos da Lei Áurea e suas antecessoras, da luta por igualdade racial até os dias atuais. Muita coisa não foi pensada pelos poderosos, apenas feita como idealizada, por quem nada sabe da realidade que importa e se não fosse a pressão inglesa, quanto tempo mais será que a escravidão ainda persistiria? Passa de relance pelo movimento sufragista, da luta das mulheres por seus direitos, mesmo que em contextos diferentes, denota o contraste entre a mulher negra e a mulher branca.
O que nós sabemos dessas histórias? O que nossa educação eurocêntrica trouxe? Além da cultura estereotipada, também foi minimizada, como se quase nada de ruim tivesse acontecido e ainda como se tudo tivesse sido há tanto tempo, mas não faz tanto tempo assim. O livro me foi um tapa da cara pra mostrar o quão recente é a luta e que ainda está acontecendo. Não bastava ser negro, pior ainda era ser mulher. Maus tratos, estupro, descaso, o tratamento pior que à um animal, sem direito nem mesmo ao próprio corpo.
Mesmo com tudo isso friso, esse livro fala de muita dor, de muito sofrimento, mas sem nunca perder a vontade de sonhar. A força pra tanta luta e sobrevivência, com tanta esperança de dias melhores, parece até sobrenatural, nos faz repensar a forma como vivemos.
P. S. :Também estou deslumbrada pela quantidade de informações que Eliana conseguiu colher e transformar em livro, não é trabalho que qualquer um teria feito
@cartasdoabismo