Knuttz 17/01/2018
Se 10% de Fire and Fury for verdade, já seria um livro assustador
Fire e Fury é um livro eletrizante. A narrativa de Michael Wolff é fluída e prende o leitor como prenderia uma ficção bem escrita – por vezes pedante, mas bem escrita –, o detalhe é que em tese não se trata de um ficção.
Por que ‘em tese’?
Porque tudo no livro é demais.
Detalhes demais, aspas demais, atores estúpidos demais, fofocas demais.
Na realidade a única coisa que me impede de chamar o livro de mentiroso, é o fato de que em sua gênese está uma demonstração absurda de amadorismo* por parte da administração Trump: como alguém pode deixar que um jornalista fique zanzando em um dos complexos de escritórios mais importantes do mundo – a Ala Oeste da Casa Branca, onde está o escritório do Presidente –, sem nenhum acerto prévio sobre o escopo de sua atuação ali?
Wolff, que havia feito no passado uma matéria que agradou Trump, disse ao novo presidente que gostaria de ser ‘uma mosca na parede da Casa Branca’, para escrever um livro sobre ele, mas não obteve uma resposta. Falou com Bannon – pintado no livro como o ‘Rasputin’ trumpista –, sobre a mesma coisa, mas igualmente não obteve resposta.
Mesmo sem uma autorização oficial, Wolff continuou voltando à Casa Branca, e por agir como quem tinha acesso pleno à Ala Oeste, passou a tê-lo, fez-se conhecer, e conversou com diversos membros da equipe presidencial, acumulando, alegadamente, mais de duzentas entrevistas, que expôs de forma quase pornográfica – por vezes deixando uma sensação de “como alguém diz isto a um jornalista??” –, nas páginas de Fire and Fury.
Desde a equipe presidencial que planejou o que fazer ao perder a eleição, mas não tinha a menor noção do que fazer ao ganhar, até ações do presidente que se traduzem em obstrução de justiça, passando, entre outros, pela alegação de que pelo menos cem casos de abuso sexual foram negociados por advogados de Trump, você encontrará de tudo neste circo de horrores.
Aliás, se apenas 5% do livro for verdade, já seria algo assustador.
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* uma das demonstrações de amadorismo, segundo comentário de alguns jornalistas, é que muitos dos atores, por inexperiência, não sabiam que conversas que não sejam explicitamente denominadas como ‘off record’ (que não podem ser creditadas à fonte), são automaticamente consideradas ‘on record’.