Carla.Parreira 05/02/2024
Dibs: Em Busca de Si Mesmo (Virgínia Mae Axline). Melhores trechos: "...Dibs fitou-me. Seus olhos apresentavam um azul brilhante. A expressão de seu rosto transbordava medo e infelicidade. Apontou para a porta na pintura. - Ela tem uma fechadura - disse. - Fecha depressa com uma chave. Tem um porão que é escuro. Olhei para sua gravura e depois para ele... Não pode fazer outra pintura? - Dibs perguntou com lágrimas correndo-lhe pela face. - Não hoje - disse-lhe. - Uma pintura para você? - insistiu. - Uma pintura mais, especialmente para você? - Não. Nosso tempo terminou, por hoje... O valor de qualquer processo terapêutico bem-sucedido, em minha opinião, depende do equilíbrio mantido entre o que a pessoa traz para a sessão e o que dela leva. Tenho sérias dúvidas sobre a eficiência de um tratamento que se torna uma influência predominante e controladora na vida cotidiana de um ser humano... Estava vivamente interessada na maneira com que Dibs vinha demonstrando sua habilidade de ler, contar e resolver problemas. Parecia-me que quando ele se aproximava de qualquer tipo de referência emocional retraía-se, fugindo para uma área mais objetiva, a leitura, por exemplo. Talvez sentisse maior segurança em manipular conceitos intelectuais do que em sondar com profundidade seus sentimentos... Estávamos envergonhados. Não queríamos que nenhum de nossos amigos soubesse como era Dibs. Afastamo-nos, mais e mais, de seu convívio, porque, se eles continuassem a freqüentar nossa casa, naturalmente iriam ver o bebê. E não desejávamos que ninguém o conhecesse. Seria uma humilhação catastrófica! Havia perdido toda a confiança em mim mesma. E já não podia continuar meu trabalho... Levamos Dibs uma vez a um neurologista. Mas em outra cidade, na região ocidental do país. Usamos um outro nome. Não queríamos que nenhuma pessoa soubesse do que suspeitávamos. Entretanto, o neurologista não encontrou nada... O psiquiatra afrontou-nos. Investigou sem misericórdia nossa vida particular e íntima. O psiquiatra falou-nos que, considerando nossas experiências, seria muito franco conosco. Segundo sua opinião, Dibs não apresentava deficiência mental, nem psicose, nem lesão cerebral. Era apenas a criança mais rejeitada e emocionalmente carente que até então havia conhecido. E continuou afirmando que quem necessitava de ajuda clínica éramos meu marido e eu. E por isso sugeria tratamento para nós dois. Foi a experiência mais chocante que ele e eu vivenciamos. Qualquer pessoa poderia comprovar que meu marido e eu estávamos bem... Dorothy nasceu um ano depois de Dibs. Julgávamos que uma outra criança poderia ajudá-lo. Mas eles nunca se relacionaram bem. Na verdade, Dorothy sempre foi uma criança perfeita. Sem dúvida ela é a prova de que a deficiência não é nossa... Era dificílimo compreender como eles podiam sentir que seu filho era retardado mental, quando o material que lhe davam ia muito além da capacidade média de uma criança na faixa etária de Dibs. Certamente devem ter pressentido que os problemas de Dibs não eram causados por falta de capacidade intelectual. Entretanto, por que Dibs ainda mantinha esses dois tipos de comportamento: um tão talentoso e superior e outro lamentavelmente deficiente?... As portas fechadas em tenra vida trouxeramlhe intenso sofrimento. Não apenas a porta trancada de seu quarto em casa, mas principalmente todas as portas de aceitação que foram fechadas para ele, privando-o do amor, respeito e compreensão de que tão desesperadamente necessitava... Mas agora sintome livre desse medo. Ele está começando a comportar-se de uma maneira mais normal. Ela havia estudado e sabia que seu diagnóstico podia estar correto. O comportamento anormal que ela havia impelido o filho a assumir havia-o afastado da própria família, das outras crianças e dos adultos que encontrava na escola. Quando uma criança é forçada a provar para si mesma que tem capacidade, os resultados são freqüentemente desastrosos. Uma criança necessita de amor, aceitação e compreensão. Ela é destruída quando confrontada com rejeição, dúvidas e infindáveis testes... Dibs estava profundamente envolvido na busca de si mesmo. Era imperativo saber esperar as vitórias - cada uma a seu tempo - e confiar na força interior dessa criança. A atmosfera à sua volta deveria ser tranqüila, otimista e perceptiva..."