Queria Estar Lendo 24/11/2018
Resenha: O Clube dos Oito
O Clube dos Oito foi o primeiro romance do autor Daniel Handler, mais conhecido por Desventuras em Série a qual escreveu sob o pseudônimo de Lemony Snicket. A obra publicada pela Editora Seguinte, que nos cedeu um exemplar para resenha, narra a história de Flannery Culp e como ela e mais sete amigos entraram para a história dos EUA como uma seita satânica de jovens assassinos.
Flannery inicia o relato explicando que o livro se trata de uma transcrição de seus diários, acrescido de alguns detalhes e sofrendo algumas pequenas modificações. Nas próximas páginas, ela promete, serão apresentados os acontecimentos envolvendo o Clube dos Oito que culminaram no assassinato que chocou o país. Mas para isso, é preciso primeiro entender o amor de Flan por Adam State e os postais apaixonados que ela o enviou naquele verão e que foram o estopim de uma grande trama que terminou no assassinato violento do mesmo.
A história se desenrola com o passar do ano, sempre pela perspectiva da protagonista, sendo os outros integrantes do Clube dos Oito meros espectadores do grande espetáculo que é a vida de Flannery. O grupo de amigos, unidos e fechados entre si, é parte essencial para o desenvolvimento da trama. A princípio não se identifica um líder ou uma figura proeminente, até próximo ao final, quando elementos surpresa se revelam e passa a ficar claro que Flan sempre foi a figura de destaque e o que unia o grupo.
Quanto aos acontecimentos do livro, O Clube dos Oito mostra um grupo de jovens adolescentes com uma situação financeira muito favorável e que vivem uma vida irreal. Seus jantares são regados a vinhos, boa gastronomia e tudo isso ao som de música clássica. A questão artística é muito presente, contemplando comentários sobre música, literatura, arte e teatro. Por sinal, a obra toda remete a um grande drama teatral do qual Flannery é a peça principal.
Daniel Handler não decepciona ao entregar uma história repleta de camadas, onde o leitor fica envolto a dúvidas e incertezas. Por ser narrado pela perspectiva da protagonista, que chega a admitir ter editado os diários aos quais está transcrevendo, os fatos contados não são confiáveis. O que faz o leitor se questionar a todo momento se as peças recebidas para encaixar esse quebra-cabeça são de fato verdadeiras ou falsas.
O livro vai muito além, no entanto, de apenas um mistério sobre como e por quê Adam foi assassinado. A vida e trajetória de Flanerry, e de todo o restante do Clube dos Oitos, são mais importantes do que a motivação do crime em si. Os meses que transcorrem entre os postais apaixonados e o assassinato, contém histórias que envolvem amor, traição, assédio e vingança.
As primeiras 100 páginas são uma espécie de apresentação dos personagem e da bolha na qual vivem, então existe um distanciamento e uma certa dificuldade de conexão com a leitura. Mas tão logo a trama passa a se desenvolver e elementos são adicionados a história, é inegável o aumento de interesse. Os assuntos tratados tomam forma e instigam o leitor para ver além das palavras.
O primeiro elemento a ser destacado é o consumo de álcool, que embora seja criticado pelos especialistas no livro, é naturalizado por Flan e portanto para o leitor. Precisei parar e rever alguns pontos durante a leitura para entender algumas coisas e perceber o excesso cometido, a presença constante e o quanto pequenas coisas podem passar desapercebidas.
A gordofobia também é algo presente, mas de uma maneira muito clara e que permite identificar o caráter distorcido da mesma. Para um livro escrito em 2006, quando infelizmente o assunto era visto apenas como uma piada ou mimimi. Esse aspecto se reduz principalmente a protagonista, como uma forma de diminuição de si mesma.
Um dos meus pontos favoritos, afora o humor da narrativa que é delicioso, é a crítica declarada aos "especialistas" e adultos da história. Enquanto o livro se volta para uma grande questão de adolescentes x adultos, onde os dois estão certos e errados ao mesmo tempo, é interessante observar que os comentários de Flannery não se resumem ao aspecto vilanesco atribuído aos especialistas dada a sua situação, mas a uma sátira da sociedade atual.
Os ditos especialistas do livro são psicólogos e demais profissionais da mídia que fizeram seu nome em cima de programas televisivos que cobriram a grande tragédia envolvendo O Clube dos Oito. É daí que surge toda a questão satanista, que nunca ocorreu, e que a história se corrompe e é apresentada ao público de uma maneira totalmente distorcida e sensacionalista.
A melhor parte disso é que, se olharmos para a mídia e a nossa sociedade conseguimos ver um reflexo perfeito do que acontece no livro. Podemos não ter nosso próprio grupo de adolescentes riquinhos que cometeram um assassinato, mas temos nosso kit gay e o fantasma do comunismo (dentre várias outras coisas).
Quanto ao que se refere ao assédio, ele é um tema recorrente do livro a partir de determinado ponto e fica evidente a busca do autor em apresentar mais de uma fase e forma do mesmo, nem sempre vindo do mesmo personagem. Acompanhei algumas resenhas do livro e percebi que existe um certo entendimento de que o tema teria sido banalizado, não concordo.
Acredito que Daniel deu evidências do assunto muitas vezes antes do grande episódio, mas que nem todos possam ter visto. Não acho que a atitude da personagem possa ser vista de forma negativa, também, pois nada mais é do que realista. Apontar o dedo para o ocorrido e criticar o autor pela escolha é negar a realidade na qual vivemos, e não farei isso.
Por fim, a grande revelação final e que serve para explicar e confundir ainda mais o leitor, fazendo com que seja preciso repensar toda a história (e dê vontade de reler tudo) fecha com chave de ouro uma narrativa que tem um humor sarcástico e muito particular. Gostei do livro mais do que imaginava.
O Clube dos Oito foi uma leitura que me surpreendeu, que me fez pensar e ficar brincando de tentar juntar as peças e descobrir onde tudo ia dar. Talvez eu nunca entrasse para o Clube ou fosse uma de suas amigas, mas foi impossível não me apaixonar por sua história. Se eu gostei de Flannery, eu com certeza amei Natasha.
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