Poli 27/09/2023Uma lição de sensibilidade e empatiaAtravés deste livro conhecemos Charlie, um homem de trinta e poucos anos, gentil e esforçado, que possui uma deficiência intelectual. Trata-se de uma ficção na qual o protagonista é submetido a uma cirurgia visando aumentar sua inteligência. A história é contatada através dos relatórios de progresso, uma espécie de diário escrito por Charlie para registrar suas percepções, sentimentos, memórias e aprendizado, de modo a embasar o estudo científico pioneiro do qual é beneficiário e cobaia, sem promessas de resultado.
A história foi escrita nos anos 60, época em que àqueles chamados pejorativamente de "retardados" eram mantidos à margem da sociedade, escondidos e renegados pela família, muitas vezes desprezados e humilhados. (Terá isso mudado?)...
É muito interessante acompanhar o aprimoramento intelectual de Charlie através das mudanças em seus relatórios, de uma escrita simplória e repleta de erros, para um pensamento cada vez mais elaborado e complexo.
"Cada dia aprendo mais e mais sobre mim, e as memórias, que começaram como pequenas ondulações na água, agora me inundam como tsunamis..."
É, também, muito doloroso. À medida em que Charlie desenvolve sua capacidade mental, ele passa a ter entendimento do modo pelo qual era tratado pelas pessoas. E, nos relatos de suas memórias e incertezas do futuro, sofremos junto com ele.
O livro me fez pensar muito... Porque apesar de toda inteligência, todo o conhecimento que ele tanto almejava e pôde, enfim, absorver, Charlie nunca se sentiu tão sozinho! Antes, em toda sua ignorância, ele sentia que tinha amigos. Mesmo descobrindo, depois, que os supostos amigos se divertiam às suas custas, ele não sabia disso e era feliz.
"Por meio do meu surpreendente crescimento, eu os fiz encolher e enfatizei suas inadequações. Eu os havia traído, e eles me odiavam por isso."
Com o aumento excepcional de sua inteligência Charlie era muitas vezes impaciente e arrogante. As pessoas não conseguiam acompanhá-lo, ressentiam-se e afastavam-se dele. A cirurgia aprimorou seu intelecto, mas ele foi exposto ao mundo rápido demais e não tinha o desenvolvimento emocional necessário para entender o que acontecia consigo e como se relacionar com as outras pessoas.
Achei curioso ele referir-se a si mesmo em terceira pessoa: o Charlie de antes, sempre observando, sempre à espreita. E como ele se ressentia do fato das pessoas ignorarem seu "eu" antigo, como se ele não existisse. Como se Charlie tivesse nascido, se tornado relevante, somente após a cirurgia.
Ao longo das páginas, nós crescemos com Charlie. Sofremos e torcemos por ele, juntamente com Algernon, o ratinho que foi submetido à mesma cirurgia antes dela ser testada em um humano. O experimento deu certo e poderá beneficiar outras pessoas? Os resultados são permanentes ou provisórios? O que o futuro reserva para Charlie?
"Sinto medo. Não da vida ou da morte ou do nada, mas de desperdiçá-la como se eu nunca tivesse existido."
Por fim, esta é uma história que faz a gente se colocar no lugar do outro, pensar nas pessoas que possuem alguma deficiência e em seu lugar no mundo. Refletir sobre o modo em que nós, como sociedade, tratamos essas pessoas. Deixa uma lição importante sobre empatia e a importância da inclusão e do respeito.