Igor Almeida 11/06/2020
Livro curto e direto onde o autor se propõe a retirar a imagem ruim que se tem da burocracia no senso comum, que ela não é ruim per si. Ela é útil onde se faz presente, apesar de poder ser prejudicial se implantada em outros ramos.
Há basicamente dois tipos de "ramos" a ser administrado: o privado e o público. No privado, em um país livre, o empresário é livre para administrar sua empresa do jeito que lhe aprouver. É sabido que ele é refém de seus consumidores, se fizer um bom trabalho, os consumidores o sustentarão; caso contrário, prejuízo e falência. Desse modo, há uma maneira simples de saber se seu trabalho está no caminho correto: aferindo o lucro. E com esse objetivo em mente, ele pode contratar um administrador para determinado setor da empresa e entregar-lhe apenas poucas orientações, deixando todo o resto sob sua responsabilidade e liberdade, contanto que obtenha lucro. Como é do interesse do administrador manter o próprio emprego, é de se esperar que ele faça o que está dentro de suas capacidades para que tudo funcione. E assim as empresas são organizadas, grosso modo. No serviço público, porém, não há um parâmetro a ser consultado. O departamento de polícia nunca dará lucro algum. Como saber se os gastos com 30 policiais para determinada operação poderiam ser devidamente reduzidos se fosse feito com 20 policiais? Por que não 10? O que está em jogo? Ordem social? Reputação da instituição? Impedir um mal maior? Como quantificar? E assim, para impedir que o funcionamento seja feito a base da arbitrariedade do chefe ("A pior das leis é melhor que a arbitrariedade"), cria-se um conjunto de regulamentações que definem todo tipo de conduta a ser realizada por cada funcionário, eis a burocracia.
Segundo o autor, também não faz sentido comparar o desempenho dos burocratas com um funcionário do setor privado: "Não havendo um ponto de referência inquestionável para o sucesso e o fracasso, a maior parte dos homens simplesmente não é capaz de encontrar a motivação que o negócio com fins lucrativos facilmente lhes fornece".
Esse modelo burocrático de organizar o sistema público pode ser justo nos departamentos estatais, mas jamais poderia ser utilizado em qualquer outro ramo fora da administração pública, por um simples motivo: não existe livre iniciativa dentro de tanta regulamentação e regras. E a partir disso ele discorre com exemplos de consequências que podem advir da tentativa de controle burocrático sobre os aspectos da vida comum, seja nos negócios, na educação, etc. Se não há liberdade e todos vivêssemos sob estritas regras de condutas burocráticas, quem ditaria tais regras?
O que ocorreu na educação: "Na Rússia, o Governo Imperial não cedia cátedra universitária a quem fosse suspeito de manter ideias da economia "ocidental". Por outro lado, nomeava à larga marxistas. Assim, pois, os czares mesmo contribuíram para o triunfo final do marxismo. O totalitarismo europeu é resultado da preeminência de que o burocrata goza no campo da educação. O caminho para os ditadores foi preparado e aplainado pelas universidades. Atualmente, tanto na Rússia quanto na Alemanha, as universidades são os principais redutos do unipartidarismo. Não são apenas as ciências sociais, a história, a filosofia, todos os outros ramos do saber, da arte e da literatura que se devem regimentar. Mesmo Sidney e Beatrice Webb, admiradores ingênuos e acríticos que são dos soviéticos, ficaram chocados ao descobrir que o Jornal das Ciências Naturais Marxistas-Leninistas lutava pelo "partido comunista nas matemáticas" e pela "pureza da teoria marxista-leninistas nas cirurgias"."
Na maioria das universidades brasileiras atuais, o unipartidarismo é regra. Quem discorda certamente nunca entrou em uma... Fica fácil de perceber que, sem liberdade, é preciso definir o rumo a ser tomado previamente. E assim os burocratas, controladores, intervencionistas, não importa o termo, tentam controlar cada aspecto do conhecimento...
E ele continua, agora sobre como a expansão da mentalidade burocrática pode gerar um estado totalitário e paternalista: "O arquiteto está obrigado a ajustar as plantas que fizer ao desejo de quem lhe irá comprar. Não há por que inquirir se o arquiteto está certo ao crer-se um melhor juiz sobre o que é uma bela casa do que um leigo, que tanto carece de bom gosto. Pode ser que ele espume de raiva ao se ver forçado a aviltar os projetos maravilhosos que tinha em mente. E entra a sonhar com um mundo ideal, onde possa construir casas que estejam à altura de seus padrões artísticos. Anseia por um departamento governamental de moradias, e já se vê o chefe, no topo da cadeia burocrática, a construir casas como bem entender. Por certo, o tal arquiteto haveria de ficar ofendidíssimo se alguém o chamasse de aspirante a ditador. "O meu único desejo - ele poderia replicar – é fazer as pessoas felizes; o populacho é por demais ignorante para saber o que lhe faz bem. O especialista tem de tomar conta deles. Deveria haver uma lei que proibisse prédios feios". Mas, não faz mal perguntar, ficará a cargo de quem decidir qual estilo arquitetônico tem de ser considerado bom e qual tem de ser considerado mal? Nosso arquiteto está com a reposta na ponta da língua: por óbvio, ele, o especialista". A analogia é clara.
E defende que a única escapatória é que todos estudem minimamente economia para que possam entender por conta própria o que se passa, não deixando jamais tudo por conta dos especialistas: "Goste-se disso ou não, os principais problemas da política atual são puramente econômicos e, portanto, incognoscíveis a quem nada saiba de teoria econômica". Quem não é capaz de entender por inteiro a problemática está fadado a repetir discursos fragmentados e são facilmente influenciáveis. "O homem crédulo é a pior ameaça à preservação da democracia e da civilização Ocidental". É por isso que surge sinceras e inocentes contradições ideológicas: "...dizem-se liberais (nos EUA, liberal é esquerda), mas lutam dia e noite para abolir a liberdade; dizem-se democráticos, mas anseiam pela ditadura; dizem-se revolucionários, mas anelam por um governo onipotente; prometem a todos delícias do Jardim do Éden, mas planejam transformar o mundo numa gigantesca agência dos correios."
É preciso ter em mente que liberdade e responsabilidade caminham juntas, e assim ele conclui com maestria: "O primeiro dever que cabe ao cidadão de uma comunidade democrática é a autoeducação. O objetivo de se popularizar os estudos econômicos não é fazer todo homem um economista. A ideia é equipá-lo, enquanto cidadão, para torná-lo capaz de exercer funções cívicas que lhe cabem na vida da comunidade. A democracia é autodeterminação. Como é que as pessoas podem determinar as suas próprias vidas se se recusam, por indolência e indiferença pura e simples, a adquirir, por meio da inteligência que têm, um juízo imparcial sobre problemas políticos e econômicos fundamentais? A democracia não é um bem de que as gentes possam gozar sem se preocupar. É, pelo contrário, um tesouro que deve ser defendido diariamente e diariamente reconquistado, à força de persistência e empenho."