A Slip of the Keyboard

A Slip of the Keyboard Terry Pratchett




Resenhas - A Slip of the Keyboard


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Coruja 09/02/2018

Ando numa daquelas minhas fases em que é mais fácil digerir a leitura de não-ficção. Não sei explicar (ainda) o motivo dessas minhas periódicas mudanças de humor literárias, porque, na maioria das vezes, os livros com que acabo curando minhas ressacas de ficção não são mais fáceis ou menos densos que os calhamaços que volta e meia fazem lar na minha cabeceira.

Seja como for, dei-me conta recentemente que ainda não tinha lido A Slip of the Keyboard, ainda que o livro estivesse no meu radar desde que foi lançado, pouco antes do falecimento de Pratchett. Sinto uma imensa falta de ter volumes novos da série Discworld com que me deleitar; ainda tenho alguns romances inéditos por aqui (e agora que descobri que sir PTerry considerava Nation seu melhor livro, é possível que ele vá para o topo da minha lista de prioridades), mas parece que falta alguma coisa, que estou esquecendo de algo importante toda vez que penso no Cara de Chapéu. Eu me acostumei a começar meu ano sempre com um título novo do Pratchett e 2018 foi a primeira vez em muito tempo que não segui com a tradição (mas fiz uma releitura de Homens de Armas, então, tenho pelo menos esse consolo…).

Alguns dos textos que encontrei em A Slip of the Keyboard me eram familiares - inclusive cheguei a traduzir aqui no blog a palestra Porque Gandalf nunca se Casou -, mas a maioria eu nunca tinha lido antes. São textos bastante pessoais, até biográficos, que falam de sua infância, seu trabalho como jornalista e, mais tarde, relações públicas de uma usina de energia nuclear, até começar a fazer sucesso com suas histórias. Isso com boas doses de humor… e tantas outras de fúria - uma fúria da qual Neil Gaiman, amigo de longa data de Pratchett, nos alerta logo ao prefácio, fúria contra injustiça, contra irracionalidade e intolerância, contra fundamentalismos e preconceitos.

Ao final do volume, descobri que estava de olhos embargados. Não tanto pelo conteúdo; embora a última parte seja de textos escritos após Pratchett descobrir que tinha uma forma rara de Alzheimer, quando começou a advogar pelo direito de morrer com dignidade, e esses ensaios toquem alguns dos meus próprios botões. Mas porque eu me senti trapaceada. Trapaceada porque sei que nunca terei oportunidade de conhecer a figura humana por trás dos livros; porque sei que não haverá mais novos títulos e porque (e isso pode parecer estranho) sinto uma falta imensa de alguém que nunca cheguei a conhecer.

Sir Terry Pratchett foi - e, na verdade, continua a ser - um dos meus autores favoritos. O universo de suas histórias é uma fantasia absurda e, ao mesmo tempo, o mais verdadeiro dos mundos. Nenhum outro autor contemporâneo com quem eu tenha tido contato merece mais o título de humanista, seja no sentido do conhecimento seja na forma como crê no homo sapiens como ser racional, essa ideia que é um grande delírio.

Ele nunca se formou numa universidade, mas sua curiosidade e sede de conhecimento fizeram com que ele se aventurasse por todos os campos, dos mais obscuros aos mais complexos. Pratchett foi capaz de falar de física quântica e teatro elisabetano, alquimia e supercomputadores, tudo num mesmo fôlego. Ele é o cara que, quando recebeu o título de Cavaleiro da Rainha, aprendeu como mexer com metais para forjar a própria espada. E, de forma extremamente corajosa, ele foi capaz de falar de seu próprio declínio - lembrando que ele foi diagnosticado com menos de sessenta anos - e o que esperava de sua morte.

A Slip of the Keyboard não é apenas mais um livro de ensaios, mas um volume de memórias, uma história sobre um dos grandes contadores de histórias de nossa época. Talvez não seja um livro tão impactante para quem nunca se aventurou por seus mundos, embora eu duvide muito que qualquer um passe incólume aos seus escritos sobre a doença e sobre ser capaz de decidir morrer com dignidade, antes que a demência pudesse roubar sua identidade (‘você só pode derrotar os monstros depois de ter coragem de dizer o nome dele em voz alta’). Mas, para um leitor habitual de Pratchett, é um encontro direto com o autor, sem o filtro de sua ficção: um encontro doloroso, até melancólico, mas também luminoso, em todos as definições da palavra.


site: http://owlsroof.blogspot.com.br/2018/02/lendo-ainda-mais-ensaios-slip-of.html
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