Kristine Albuquerque 14/03/2018
Sobre respeito, empatia e coletividade.
Século XIX. Nove personagens, com experiências de vida singulares, se encontram no deserto do Oriente médio. Uma história sob nove perspectivas, e um exercício de empatia e humanidade.
Um alforje une o caminho de nove pessoas. A partir desse encontro, no qual cada um atribui um sentido único para o objeto e o seu conteúdo, suas vidas são ressignificadas. Pode parecer um enredo bem simples, mas carrega consigo reflexões profundas e atuais sobre respeito às diferenças, empatia e convivência. Cada um dos personagens possui uma religiosidade diferente, o que influencia a interpretação dos acontecimentos pelos quais estão passando. Mas a essência dessas interpretações acaba por se convergir de alguma forma. A narrativa assume um aspecto de fábula, ou uma história contada, e coincide com uma questão que acompanha a humanidade - a ligação entre o humano e o divino, para além de religiões.
Com uma escrita sensível, poética, sensorial e imersiva, a autora nos conduz junto aos personagens durante a peregrinação no deserto e acompanhamos a percepção de cada um sobre o que está acontecendo. Indo além, vemos também o presente, passado e futuro dos personagens, seus sentimentos, suas memórias, dúvidas e angústias. A leitura não se torna cansativa em nenhum momento, pois as perspectivas de cada um levam a dimensões e significados diferentes. A narrativa é em terceira pessoa e onisciente, nos aproximando ainda mais da história.
Acredito que essa é uma obra aberta - não por ter um final aberto, o que não é o caso, mas por suscitar reflexões e interpretações subjetivas a cada leitor/a. Claro que toda experiência de leitura é única, pois caminha com uma história de vida única de quem lê. Mas aqui isso vai além, por dialogar com algo que é único, íntimo, mas também coletivo - fé, religiosidade, identidade, sentido da vida e da morte... Além das interpretações metafóricas, a autora também trabalha questões bem atuais, como imigração, intolerâncias, diversidade... Unindo sua própria história à escrita, o fio condutor da narrativa é a Fé Bahá'í, crença que a autora exerce desde a infância. Longe de impor uma verdade absoluta, a obra nos mostra exatamente o contrário disso: toda verdade que temos é relativa e parcial, pois a verdade absoluta é incompreensível. Essa noção é explorada com cada um dos personagens, pois, ao conhecer cada um de perto, suspendemos os julgamentos criados no capítulo anterior e passamos a compreendê-los. E que ponto maravilhoso é esse, onde através da literatura exercitamos a empatia, em um mundo cada vez mais egoísta. Nessa história olhamos para o outro, para nós mesmos, refletimos e questionamos a cada capítulo, e somos convidados a ser mais humanos uns com os outros.