Luis Netto 26/03/2011
Memórias da Segunda Guerra Mundial
“Memórias da Segunda Guerra Mundial” obra do Winston S. Churchill, político, estadista, escritor, jornalista, orador e historiador britânico, famoso principalmente por sua atuação como primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial. Ele foi primeiro-ministro por duas vezes, de 1940 a 1945 e de 1951 a 1955. Ele é o único primeiro-ministro britânico a ter recebido o Prêmio Nobel de Literatura e o primeiro Cidadão Honorário dos Estados Unidos.
Nascido em 30 de Novembro de 1874 na cidade de Oxfordshire, Inglaterra, desde quando era criança Churchill sempre foi muito ligado a política, ali já mostrava o destino que seguiria.
O livro começa no ano de 1919. Ministro da Guerra e do Ar, Churchill tem um objetivo neste momento, neutralizar a vitória bolchevique na Rússia. De agora em diante, o anti-bolchevismo será um dos pontos fortes de sua atuação política. Transferido para o Ministério das Colônias, onde, contrariando as expectativas, a vitória em 1918 só traz problemas para o Império. Nas questões do Oriente Médio ouve, uma estranha e fascinante figura, misto de militar, intelectual e aventureiro, T. E. Lawrence. Promulga o Livro Branco que confirma o reivindicação judaica de um Lar Nacional na Palestina e, ao mesmo tempo, garante os direitos árabes.
A pressão turca para impor novamente o estratégico estreito, que ligam o mar de Mármara ao braço egeu do mar Mediterrâneo, de um lado, e ao mar Negro, no outro. São considerados como a fronteira entre os continentes da Europa e Ásia, provoca crise política na Inglaterra. Ninguém quer uma nova sangueira, atribui-se a Churchill a idéia de uma revanche, cai o governo de coalizão, convocadas eleições gerais. Impossibilitado de participar da campanha por causa de uma operação de apendicite, é derrotado. Ironiza: "...perdi o cargo, perdi o assento, perdi o partido e até perdi o apêndice..."
Sai temporariamente da política, enquanto isso volta a escrever. Seus dotes plásticos não ultrapassam os de um aplicado amador mas na literatura a sua estrela brilha: lança The World Crisis, crônica autobiográfica das Primeira Guerra Mundial que rende 20 mil libras, com as quais compra a propriedade rural em Chartwell, Kent.
Tenta o parlamento como independente se mostrando anti-socialista. Perde duas vezes, na terceira, 1924, consegue um cargo. Entretanto, o líder conservador, Stanley Baldwin oferece-lhe o cargo de Chanceler do Erário. Churchill detesta matemática e contas, mas os desafios oferece-lhe algumas vantagens, como: pode voltar ao campo dos conservadores e no mesmo cargo ocupado pelo pai. Além disso, a matéria econômica é a arena onde se trava o grande duelo entre o socialismo e o liberalismo econômico.
Coerente com os princípios do laissez-faire determina a volta do padrão-ouro que, junto com outras medidas ortodoxas e recessivas, provocam o caos: deflação, desemprego, greve dos mineiros que causará uma prolongada greve geral, a primeira da história inglesa. Resiste teimosamente à negociação porque considera a paralisação como uma situação pré-revolucionária.
Num país onde a imprensa tem tamanha importância e a ausência de jornais é uma catastrofe, o Ministro Churchill inventa e comanda a British Gazette, jornal oficial onde escreve fortes editoriais diários contra o "inimigo" e alcança fabulosas tiragens. O cruel anti-socialista acaba de revelar que a luta de classes não é imaginária.
Mantém-se no governo até 1929 e, na política, até 1931. Não há mais lugar para este guerrilheiro individualista, instável e inflamado, pouco dado ao diálogo e compromissos. Recolhe-se a Chartwell para escrever e o faz com a paixão de sempre. A reabilitação biográfica do seu ilustre ancestral, Marlborough, sua Vida e Tempos, além de render um esplêndido retorno financeiro, é uma demonstração de que a História não concerne apenas aos historiadores. Assim como a política não se exerce apenas nos plenários ou gabinetes.
Nas horas vagas entrega-se a um vicio cujo simbolismo talvez não perceba, levantar muros de tijolos. É a forma inconsciente de responder à exclusão a que foi condenado, uma forma de relaxar. O muro é o obstáculo a ser superado. Este afastamento da política que durou cerca de uma década é a sua preparação para a grande maratona que se segue.
Interrompe-se o capítulo a fase anti-socialista de Churchill que, ironicamente, começou na trilha do pai, conservador-progressista. E começa um novo, o do estadista em repouso que vislumbra o inimigo escondido. Adolf Hitler, que sempre pensou numa aliança anglo-saxónica para dividir a Europa, faz com que Churchill perceba o perigo do nazi-fascismo.
Em artigos, correspondência e conferências Churchill é um dos primeiros ingleses a advertir para o forte militar que vivia na Alemanha. Seu discurso não é apenas antifascista e libertário, é do estrategista que prevê o adversário no campo de batalha. Seu pensamento não é pacifista, e sim militarista. À xenofobia alemã contrapõe o ideal romântico da Europa multinacional ao lado do leão britânico.
O antigo homem do mar está empenhado no rearmamento da aviação, sabe que na próxima guerra o domínio do ar será decisivo. A pregação tem algum eco, convidam-no para participar de um secretíssimo grupo de trabalho que acompanha o desenvolvimento da Luftwaffe e projeta a resposta britânica. Quando em 1936, Neville Chamberlain, seu ex-companheiro de gabinete, assume o governo, aumenta o distanciamento entre Churchill e o poder.
Temendo um novo conflito mundial, Chamberlain engaja-se numa política de apaziguamento. O anticomunismo de Hitler até agrada aos setores mais conservadores da Inglaterra. Churchill, ao contrário, estimula o governo a organizar um pacto europeu incluindo a União Soviética, para deter os avanços políticos nazistas. Em 1938, quando é assinado o Pacto de Munich acabando a Tchecoslováquia, Churchill parte para o adormecido orgulho nacional considerando-o como "total e indisfarçável derrota".
Já não está sozinho, tem um grupo à sua volta e declaradas simpatias em todo o setor político, inclusive na esquerda.
Em Março de 1939 propõe um governo de coalizão nacional, como em 1914 ele adivinha o que está por vir. Chamberlain ignora-o, teme o seu protagonismo.
A Inglaterra declara guerra à Alemanha, dois dias depois da invasão da Polônia. Então Chamberlain convoca Churchill para ocupar o seu velho posto à frente do Almirantado. A marujada vibra: "Winnie está de volta !". O ânimo do país volta a esquentar, grande repercussão internacional, congratulações da Casa Branca com a assinatura de "um homem do mar", Franklin Roosevelt. Ponto de encontro de vidas paralelas, costura-se a parceria decisiva.
O ânimo elevado da Marinha não afeta a "guerra sentada" que se trava na frente francesa. Abril de 1940, os aliados não conseguem evitar a invasão da Dinamarca e da Noruega que controlam a saída da frota alemã pelo Báltico. Fracassam duas expedições anfíbias inglesas em Narvik e Trondheim, o fantasma de Galllipoli reaparece no Parlamento, desta vez o culpado pelo fiasco é Chamberlain. Maio, nova barreira alemã, cai Luxemburgo, Holanda, Bélgica e a Wehrmacht está diante da fronteira sem soldados e sem munições da França.
Chamberlain renuncia, ainda tenta indicar um sucessor que não seja Churchill. Mas o único político que merece a confiança dos trabalhistas, apesar do seu passado conservador, é Churchill, comprometido vitalmente com a causa anti-hitlerista.
Estréia no Parlamento como Primeiro Ministro e inaugura o ciclo dos memoráveis discursos de guerra: "...Não tenho nada a oferecer-vos senão sangue, trabalho, suor e lágrimas...". O gabinete de coalizão, no qual exerce também a pasta da Defesa, inclui três trabalhistas, um deles é o poderoso líder sindical, Ernest Bevin. Fica garantido o esforço de guerra e a paz social. O estadista-historiador sabe que é preciso sacrificar as questões menores diante da vitória final. Leva ao Parlamento uma lei de emergência que coloca todas as pessoas, serviços e propriedades a serviço da Coroa. Puro socialismo. Mais tarde, quando escreverá a história da segunda guerra mundial, enunciará a sua fórmula: "Na guerra, determinação. Na derrota, resistência. Na vitória, magnanimidade. Na paz: boa-vontade."
Dois dias depois da queda de Paris, a 16 de Junho de 1940, Churchill faz uma proposta audaciosa ao governo francês: a união política entre os dois países. Dia 22 de Junho, os franceses registram no mesmo vagão em que os alemães haviam assinado a rendição em 1918. A máquina de guerra alemã agora está totalmente voltada contra a Inglaterra. Enquanto isso, Churchill no Parlamento: "estas são as nossas melhores horas".
Cerco alemão cauteloso e imperdoável: primeiro os aviões de Goering atacam as embarcações que cruzam a Mancha, depois as tropas ocupam as pequenas ilhas no meio do Canal, em seguida a Luftwaffe ataca as bases da R.A.F. no sul da Inglaterra. Um ano depois de começada a guerra, os alemães começam os ataques maciços contra Londres. Churchill no Parlamento: "nunca, no campo das lutas humanas, tantos deveram tanto a tão poucos", é o seu tributo aos pilotos dos Spitfires e Hurricanes que defendem o país na Batalha da Inglaterra.
Como vingança, Churchill ordena uma invasão aérea em Berlim. Enfurecido com a decisão, o Führer determina vários ataques diários a Londres. E dá início à Batalha do Atlântico para cortar todos os suprimentos da Inglaterra e os seus vínculos com o Canadá.
O ataque alemão à União Soviética leva-o a esquecer a velha rixa com o comunismo: "O perigo na Rússia é o nosso perigo". Os isolacionistas americanos, insensíveis com o que se passa na Europa, insistem no slogan America First. "Dêem-nos as ferramentas e faremos o trabalho" pede Churchill. Concebe então o projeto da Grande Aliança com a URSS e os EUA, Churchill pelo Reino Unido, Stalin pela URSS e Roosevelt pelos EUA. O primeiro passo é dado em Agosto de 1941 quando encontra-se com Roosevelt nas costas do Canadá para assinar a Carta do Atlântico. Também aqui a alquimia entre os dois parceiros é perfeita: FDR, águia serena, é o campeão da democracia, Winnie, leão aguerrido, é quem vai implementá-la.
Vai duas vezes a Moscou, quatro a Washington, duas ao Cairo e Quebec, uma ao Marrocos, Grécia, Malta, participa das duas reuniões tripartites com Roosevelt e Stalin, Teerã e Ialta, e da derradeira, com Truman e Stalin em Potsdam, Alemanha, depois da rendição alemã. Em duas destas exaustivas viagens circulares, para evitar surpresas da aviação inimiga, cai doente, sempre com pneumonia.
No meio do conflito, já pensando no pós-guerra, participa ativamente nos projetos para a criação de uma confederação européia. É o precursor não apenas da aliança que vai derrotar o Eixo totalitário, mas também da interdependência que marcará a segunda metade do século XX.
Na região militar, ainda perseguido pelos fantasmas do fiasco de Gallipoli, age com extrema cautela. Em 1942, Stalin, secundado pelo Estado Maior americano, reclama a imediata criação da 2ª frente na Europa para afrouxar a pressão germânica. Churchill considera o projeto prematuro, arriscado e, nas atuais circunstâncias, custoso. Quando finalmente chega o Dia-D, o Dia da Decisão, em Junho de 1944, o septuagenário quer participar pessoalmente da operação de resgate da França a bordo de um cruzador inglês. Quem o dissuade é o próprio monarca.
Em 21 de junho de 1955 foi inaugurada pela prefeitura de Londres a estátua de Churchill com a presença dele próprio. Em 1963, aos 89 anos, foi homenageado com o título de cidadão honorário dos Estados Unidos pelo então presidente John Kennedy. Não podendo receber a homenagem em Washington em razão de estado de saúde precário, foi representado pelo seu filho Randolph.
Já muito velho e com a saúde muito ruim, Churchill faleceu no dia 24 de janeiro de 1965, aos 90 anos.
Um livro fantástico.
Recomendo a todos.