Queria Estar Lendo 21/04/2018
Resenha: Restaura-me
Restaura-me é o revival da série Estilhaça-me, escrita pela Tahereh Mafi. Depois de um final incrível, a autora resolveu trazer a história de Juliette de volta à vida para contar um pouco mais sobre a guerra contra o Restabelecimento - e, sinceramente? Era melhor ter deixado do jeito que estava.
Depois de assumir o controle do Setor 45, parecia que as coisas começariam a caminhar bem para a rebelião. Infelizmente para Juliette, a política e o comando são mais complicados do que ela esperava - e existem tramas obscuras por trás de tudo que tem acontecido com o Restabelecimento. Em meio a essas incertezas, ela precisa confrontar segredos que nem imaginava existirem, e talvez venha a perceber que não pode confiar mesmo as pessoas mais confiáveis.
Eis aqui um caso de "por que diabos foi mexer em algo que tinha acabado tão bem?". Essa mania de autores reviverem suas séries dificilmente acaba bem; Estilhaça-me foi perfeito, Liberta-me foi esplendoroso e Incendeia-me incrível. Ai Restaura-me construiu a hype porque seria o primeiro de uma nova trilogia sobre as consequências da ascensão dos rebeldes; que decepção, senhoras e senhores.
O livro não é ruim. Mas não é o livro que eu estava esperando - e, assim, foi ruim para mim.
Até 50% da história, o desenvolvimento - se é que eu posso chamar disso - foi de um tédio e de uma enrolação que eu me perguntei se era mesmo a Tahereh escrevendo essa história. Eu senti tanta, mas tanta falta do emocional dos personagens, uma das coisas mais marcantes da narrativa dela. Os pontos de vista do Warner até tiveram um drama mais bem trabalhado, mas os da Juliette foram de uma mecânica inacreditável; a narrativa dela era só diálogo e descrição e mais diálogo e mais descrição e às vezes umas emoções. Cadê a poesia? Cadê aquela narrativa única?
Eram detalhes irrelevantes e parágrafos falando sobre vestimenta e caminhadas seguidos de diálogos xoxos que nada acrescentavam à história. Nem mesmo as relações entre os personagens foram interessantes! Juliette e Kenji, por exemplo, soavam forçados, conversas nascidas para alívio cômico que pouco serviam para fazer isso.
E Juliette e Warner, que decepção. O casal que era todo de confiança e comunicação, que se entendia e se encontrava em olhares e conversas e na presença um do outro, que nasceu do entendimento e do respeito, eles se perderam completamente. Para um período tão curto de tempo, o fato de o relacionamento entre os dois ter se tornado essa coisa insossa sem diálogo e sem vida me deixou extremamente decepcionada.
"Nunca mais pedirei desculpas por sobreviver."
Eles não confiavam um no outro para coisas tão básicas que pareciam até dois personagens novos. Fazia tempo que eu não me irritava tanto com uma situação dessas. Para quem passou por tanto, regredir o relacionamento deles a essa desgraça de "não quero falar sobre isso porque é melhor assim" é enfurecedor. Sim, eu entendo os traumas, mas o casal que a autora construiu no desenvolver na série não está aqui; eles se tornaram fantasmas do ship que me fazia rolar pelo chão e gritar porque era tanto amor, tanta química e tanta entrega que tudo era perfeito.
Se tem uma coisa que eu detesto, absolutamente odeio em histórias, é conflito baseado em falta de comunicação. Que foi tudo o que aconteceu nesse livro; eu entendo você escrever mistérios e não dar respostas, faça isso à vontade, mas "eu não vou te contar isso porque acho que é melhor assim" é diferente de "eu não vou te contar isso porque você é uma Horcrux, Harry".
Warner tinha segredos que eram importantes para a Juliette e não contou. A Juliette tinha segredos que eram importantes para o Warner e não contou. Castle tinha segredos, os personagens novos tinham segredos, os segredos tinham segredos. E tudo isso, toda a treta da história, poderia ter sido resolvida com algumas conversas básicas. É de uma preguiça que dá até tristeza.
O plot? Nhé. Sabe quando tu lê e pensa "hm, tá aqui só pra encher linguiça"? É isso que o livro pareceu. Os segredos foram tirados diretamente da cartola e até encaixam na história, mas não serviram para chocar tanto quanto poderiam ter chocado na trilogia original. Aliás, eles só se fizeram presentes para descaracterizar personagem. Quebraram tudo o que o Warner e a Juliette tinham se tornado. Regrediram toda a evolução dos seus protagonistas.
E os conflitos que a autora trouxe à tona porque não eram foco nos outros livros, como a parte política, por exemplo, aqui só serviram para tornar tudo... Tedioso. Tedioso é a palavra-chave para Restaura-me, infelizmente. Não tinha nada de muito interessante. Nada de extremamente essencial. Esse livro podia muito bem ter sido um conto extra, do tipo que não faria falta se não existisse. A graça de Estilhaça-me estava no fato de ser um livro sobre sua protagonista; a distopia estava lá, ao seu redor, mas a história era sobre Juliette se empoderar, parar de temer a si mesma, fazer o medo aprender a temê-la. Vem Restaura-me e esquece tudo isso...
Aliás, em relação aos personagens individualmente, um ponto positivo é que os pontos de vista se diferem e isso foi ótimo de acompanhar. A voz do Warner é bem mais sombria e pesada que a da Juliette. Apesar do que eu comentei sobre a narrativa mecânica, a Tahereh ainda conseguiu me entregar uns bons momentos de ambos os protagonistas - mais do Warner do que da Juliette, mas já chego nisso.
"Sinto um enorme medo de me afogar no oceano do meu próprio silêncio."
Warner enfrentou dilemas em relação ao emocional; seu pai está morto, sua mãe está morta e, sozinho, ele só consegue enxergar as sombras de tudo que perdeu - e a perturbação é maior quando ele entende que também o luto pelo monstro que foi seu pai é grande. Apesar de tudo que Anderson fez, Warner ainda sente por ele; os conflitos internos foram interessantes (um pouco repetitivos em dado momento da história), mas ótimos de acompanhar. Era um angst bom - claro que isso se quebrava com a ladainha dos segredos e de falta de comunicação, mas né, tô tentando achar os pontos que salvaram a leitura!
Quanto a Juliette, ai ai. Onde está a protagonista empoderada e furiosa que o terceiro livro estabeleceu ao fim da série? Eu senti falta da voz decidida, da presença e da força que a Juliette aprendeu a concentrar com todas as suas provações. Sim, ela teve alguns momentos incríveis neste livro, mas eles foram eclipsados por todas as dúvidas e a incerteza, fraquezas que soaram bem desconexos para tudo o que ela tinha se tornado.
Você não precisa descaracterizar seus personagens para continuar a história deles. Ela podia ter usado dezenas de artifícios para criar novas provações aos protagonistas e foi pelo caminho mais fraco e previsível; sinceramente, até os dramas foram toscos. Eu não poderia ter me importado menos com Warniette - e isso acontecer é um crime gravíssimo!
Todo o potencial foi jogado fora para repetição de plot; não era necessário trazer de volta o lado hesitante e amedrontado. Não precisava afundar a personagem em medo, acuada em seus cantos por causa da política, do seu cargo como comandante, até mesmo por causa de outras garotas. Foi pegar toda a montanha-russa emocionante de crescimento de três livros e jogar num abismo.
"– O mundo tentou esmagá-la. E você se recusou a se estilhaçar."
Outro detalhe sobre o livro foi a ausência de personagens. Com exceção de Kenji, os outros nomes da trilogia quase não fizeram parte da trama. Considerando que só se passaram dezesseis dias desde o fim de Incendeia-me, é um tanto quanto incoerente desaparecer com tantos nomes como se eles fossem nada; Castle foi um dos poucos com aparições "regulares", mas Adam e James desapareceram do mapa - não que eu sinta falta do Adam, mas, assim, mata ele se quer sumir com o cara. Ficou parecendo que a Tahereh se esqueceu sobre quem escrevia, com exceção dos principais.
E aí vem a inclusão de novos nomes para a expansão de universo da trilogia; conhecemos um pouco mais sobre o Restabelecimento através de Warner e dos filhos dos outros líderes - posso criticar mais uma coisa? Vou. Aqui a descaracterização do Warner começou e não parou mais; de repente ele tinha um passado com várias pessoas presentes, relacionamentos importantes e até o que podemos chamar de uma amizade poderosa. Onde o cara frio e solitário que não deixava ninguém se aproximar teria vivido isso?
Enfim, Nazeera foi uma personagem que eu gostei bastante de ver incluída. Dá para ver que ela tem muito potencial e muita voz, e tudo sobre sua construção foi apaixonante; sua presença, a representação, a coragem. Uma mulher poderosa desde a primeira cena em que apareceu - espero que ela ganhe mais destaque nos próximos volumes.
A verdade é que foi uma tristeza quebrar a cara com esse livro. Eu segurei minhas expectativas, verdade, mas estava esperançosa porque a Tahereh é magnífica e a trilogia é uma das minhas distopias favoritas da vida. Restaura-me se mostrou uma grandiosa decepção e usou todos os artifícios que eu e a Bianca imploramos aos céus para a Tahereh não usar; é muita dor no coração pra pouca eu.
Honestamente, aos fãs da trilogia, não indico a leitura. Pode ser que a história funcione para você e eu ficarei feliz por isso. Pra mim, não deu - e não, eu não vou ler os próximos. Incendeia-me foi o último livro dessa história; o resto é fanfic.
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