A Fome do Tigre

A Fome do Tigre René Barjavel




Resenhas - A Fome do Tigre


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Nilva 05/07/2020

Bufarinhas
O homem se compraz em pensar que é um ser total, independente, que sabe o que faz e faz o que quer, dentro do quadro das leis e costumes. Na verdade, sua existência individual não passa de uma ilusão, destinada a lhe dar, durante o tempo em que seja útil à sua espécie, o gosto da vida, para que ele a conserve e a transmita.

Ele é apenas um portador de germes. Deve dar a vida que recebe, e só para isso serve, nasce, pensa, trabalha, combate e sofre unicamente por isso. E morre sem o ter feito, outros o farão em nome dele. Sua existência inútil só vale por sua existência útil, e o que conta é a vida da espécie.

Cada vez que faz o amor, o macho humano ataca a célula feminina com cerca de oitocentos milhões de espermatozóides. Vinte vezes a população da França. A espécie humana conta com cerca de 1.500 milhões de indivíduos machos, dos quais talvez uns 400 milhões estão na maturidade sexual. Esses cálculos não se apóiam em nada preciso. Sua vertiginosa ordem de grandeza é, por assim dizer, exata. Admitamos que apenas metade desses machos ativos faça o amor uma vez em vinte e quatro horas, o que representa 160 milhões de bilhões de células reprodutoras liberadas a cada dia. Uma dessas células, entre bilhões, atingirá um óvulo e provocará um nascimento. O resto perecerá.

Este desperdício inimaginável é uma das precauções elaboradas pela espécie para assegurar sua perenidade. Apesar dos obstáculos e precauções, o óvulo, regularmente posto,
implacavelmente sitiado pelos inúmeros espermatozóides, será um dia transpassado pela flecha vibrante de um espermatozóide, e de célula que se transformará em individuo que, por sua vez, produzirá gametas masculinos ou femininos.

Os homens e mulheres que viveram e morreram sem terem tido filhos foram, tanto como os homens e mulheres fecundos, teleguiados, ao longo da sua existência, por um par de glândulas minúsculas, que dirigiram todo o seu comportamento. São essas glândulas que lhes fazem experimentar o desejo e o amor, aos quais se entregaram com felicidade, aos quais resistiram voluntariamente ou por causa dos quais
sofreram por se verem frustrados. Quer tenham nadado a favor dessa corrente de vida, quer se tenham desviado dela ou quer tenham tentado lutar contra ela, quer tenham sido alegremente recebidos, quer tenham ancorado ou naufragado, toda sua existência individual, familiar e social dependeu deles a cada instante. Romeu é uma legião de gametas masculinos que sobem a escada para se unirem à gameta feminina que
os atrai com força irresistível. Sabe-se que alegria e que infelicidade resultarão para os dois seres humanos que os carregam.

Don Juan e suas vítimas são isso e também Messalina e Onan, e todos os casais anônimos que constituem o tecido vivo da humanidade, e também os isolados, os abandonados, os decepcionados, os homossexuais. Estes não são mais livres que os outros, também comandados que são pela necessidade de experimentar as delícias carnais do amor.

Estas delicias são outra precaução elaborada pela vida para assegurar sua continuidade. O desejo que força o indivíduo a essas alegrias, antes mesmo de ter atingido a maturidade necessária à sua função, é a grande vontade da espécie, imperativa, inexorável, universal. Quer tenha consciência ou não, quer obedeça-a ou se revolte, todo ser humano passa por esta vontade, tão fatal como a presença de seu corpo.


René Barjavel, em A Fome do Tigre
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