Pandora 19/09/2019Eu adoro essa Carambaia! Ela me apresenta a escritores dos quais eu nunca ouvi falar, mas que se tornam queridinhos da vida!!! Agora quero ler tudo o que Panaït Istrati escreveu.
Panaït Istrati nasceu na Romênia, mal cursou a escola, mas era um grande leitor. Saiu de casa aos 12 anos para viver uma vida de aventuras, viajando por vários lugares, entre eles: Egito, Síria, Líbano, Grécia, Itália, França e Suíça. Foi confeiteiro, servente, chaveiro, caldeireiro, mecânico, escavador, descarregador, criado, anúncio ambulante, pintor de letreiros e de paredes, garçom de cabaré, jornalista, fotógrafo... mas também teve longos períodos de vagabundagem. Envolveu-se em política, defendendo ferrenhamente ideias socialistas e adquiriu tuberculose, que acabou sendo a causa de sua morte aos 50 anos. Mas aos 37, deprimido e vivendo na miséria, com dois casamentos fracassados, tentou o suicídio cortando a garganta. Antes, escreveu uma carta a Romain Rolland, escritor francês ganhador do Nobel de Literatura em 2015, do qual era grande admirador. Daí nasceu uma grande amizade e Rolland o incentivou a publicar seus escritos. A amizade só se romperia após a viagem de Istrati à URSS, quando este escreveu um livro sobre os excessos do regime stalinista, o que provocou graves problemas com seus aliados socialistas. "(...) a esquerda o atacava violentamente nos jornais, acusando-o de fascista e de traidor a soldo do serviço secreto romeno, enquanto a direita nunca acreditou que ele tinha renegado o comunismo e continuou perseguindo-o, inclusive com agressões físicas, até o fim da vida."* Morreu pobre e sozinho num sanatório em Bucareste.
Este Kyra Kyralina faz parte de uma série de narrativas de Adrien Zograffi". Adrien Zograffi é o alter-ego de Istrati e, nos livros, ora ele conta suas histórias, ora conduz a narrativa, que é o caso neste livro. Aqui, o protagonista é Stavro (Dragomir), um feirante que se intitula "vigarista honesto", com um passado de pouca alegria, muita tristeza, uma série de abusos e uma obsessão pela irmã Kyra Kyralina.
Stavro tem um pai tirânico e uma mãe libertária, um irmão que segue os passos do pai e uma irmã que segue os passos da mãe e ele prefere Kyra.
Um dos pontos altos do livro, ao meu ver, é quando a mãe, que preza a liberdade acima de todas as coisas, diz aos filhos menores: "(...) você, Kyra, se - como acredito – não se sentir inclinada a viver na virtude, na virtude que vem de Deus e que se pratica com alegria, não seja virtuosa, forçada e seca, não faça pouco caso de Nosso Senhor e seja como ele a fez: seja hedonista, seja até libertina, mas uma libertina a quem não falte coração! É melhor assim. E você, Dragomir, se não puder ser um homem virtuoso, seja como sua irmã e sua mãe, seja até ladrão, mas um ladrão que tenha coração, porque o homem sem coração, meus filhos, é um morto que impede os vivos de viver, é o pai de vocês."
São 180 páginas que, ao mesmo tempo que podem ser lidas numa sentada, são tão ricas de acontecimentos, que parecem 500; parece que se viveu uma vida inteira ali.
Stavro, assim como o autor, percorre diversos lugares, repletos de personagens que falam grego, romeno, armênio e turco, e como é comum nos contos do Oriente, a narrativa se alterna em episódios interligados, porém sem ordem linear.
Livraço!!!
No prefácio de "A casa Thüringer", Istrati escreveu: “Após ter tido fé em todas as democracias, em todas as ditaduras, em todas as ciências, e após ter sido por todas decepcionado, minha última esperança de justiça social fixou-se nas artes e nos artistas (...) Viva o homem que não adere a nada!”
Vida eterna aos textos de Panaït Istrati!
Notas: *Trecho de "O homem que não adere a nada", por Gustavo Pacheco para Revista Época.
"Kyra Kyralina" foi adaptado para o cinema em 2014 e dirigido pelo romeno Dan Pița.
O projeto gráfico é lindo: a contracapa é em tecido bordô e as gravações são em dourado. É um livro tipo caderneta, menos de 19cm.