Laiza 21/09/2020
A Gorda - Isabela Figueiredo.
Em A Gorda, o leitor é apresentado a Maria Luísa, filha de pais portugueses mas nascida em Moçambique, que é enviada pelos pais para estudar em um internato em Portugal. Maria Luísa é uma menina estudiosa, de forte opinião e personalidade, porém todas suas qualidades acabam sendo ofuscadas pela sua aparência: Maria Luísa é gorda. Sua forma física impacta em diversos aspectos de sua vida social, e essa consequência bem como a relação pessoal e psicológica da protagonista com seu corpo e sua vida, moldam o desenvolvimento do enredo.
A Gorda foi uma leitura que me surpreendeu em muitos aspectos. Como é um livro português, a escrita apesar de familiar, ainda pode causar alguns estranhamentos. Acho que essa foi a minha primeira experiência com a literatura portuguesa, e tive algumas dificuldades iniciais pela densidade da narrativa em primeira pessoa, bem como o desconhecimento de algumas expressões ou fatos da história contemporânea de Portugal. Não considero uma escrita fácil, mas ela é bem poética e bonita. Mas a narrativa não é linear, exigindo do leitor bastante cuidado e atenção durante a leitura. Porém, depois que você pega o ritmo e a história vai se desenvolvendo, tudo fica fácil de acompanhar.
A história não se desenvolve de forma linear, ou seja, não há uma sucessão de acontecimentos; a personagem se desdobra entre presente e passado, e é a tarefa do leitor de compreender quais os períodos de sua vida que ela fala e quando ocorre os fatos. Muitas vezes tive a impressão de ler um diário, em que conforme a Maria Luísa pensa e reflete sobre a vida, vai desdobando aspectos e acontecimentos passados. Isso reforça a necessidade de o livro ser lido com bastante atenção. Mas o fato de você pensar no livro como um diário, também nos fornece um outro lado: A Gorda é uma leitura crua e arrebatadora, em que Maria Luísa se abre de forma íntima com o leitor, transpassando vários aspectos pessoais, psicológicos e emocionais de sua vida. A personagem é de forte opinião e personalidade, e isso se apresenta na leitura; o leitor sente a vivacidade e a dureza da personagem.
Mas é claro que a forma que a história é narrada, pode as vezes cansar o leitor, pois a história vai dando muitas e muitas voltas. Em alguns momentos para mim, confesso que fiquei bastante cansada, então não é o tipo de leitura que você faz rapidamente. É necessário digerir a história aos poucos, porque além desses aspectos da narrativa, a história em si é bastante forte em alguns momentos.
Maria Luísa é, como o próprio título diz, uma mulher gorda. A relação da personagem com seu corpo se apresenta na narrativa sobre diversas óticas. Desde sua relação com seus pais, relacionamentos amorosos, e sua vida. Os capítulos do livro são nomeados a partir dos cômodos de sua casa, que sempre são descritos no começo de cada um; a partir desses cômodos a Maria Luísa vai falando e relembrando os aspectos e sentimentos que esses cômodos trazem. Essa escolha de denominação dos capítulos, faz alusão ao principal tema do livro: a solidão da pessoa gorda. Com a morte de seus pais, Maria Luísa se vê sozinha na casa em que dividiu com eles a sua vida, e é a partir disso que ela relembra seu passado e reflete seus sentimentos.
A solidão da personagem se reflete acidamente durante a a trama, sendo feita a partir de seus relatos e relacionamentos que desenvolveu ao longo da vida, tanto de amizade quanto de amor. Longe dos padrões para a época, Maria Luísa apesar de questionar esses estigmas, muitas vezes se vê em confronto com eles, ou até mesmo cede frente a essas amarras. A sua dor e sua solidão são ácidas e nítidas, e mexem totalmente com o leitor. Para mim, o principal ponto da história é como a solidão e a forma física da Maria Luísa a condicionam a situações ou relações que, apesar de tóxicas ou invasivas a seu corpo, ela se submete como forma de criar laços ou tentar ultrapassar o próprio isolamento. A gordofobia nesse livro se faz mais presente de forma velada, psicológica. E através das memórias de Maria Luísa e seu cotidiano, que o leitor vai compreendendo como dolorosamente ela é atingida e aceita certas situações, tanto na relação com os pais, quanto com seus amigos ou amores.
Não é uma leitura fácil; é uma leitura dolorosa, que em certos momentos invoca do leitor sentimentos de raiva, tristeza, ou inconformação com os acontecimentos. Mas, acima de tudo, é uma história que transmite realidade e intimidade. Diferente de histórias de mulheres que realizam coisas extraordinárias ou surpreendentes, temos em A Gorda a história de uma mulher comum, que explora suas vivências e seu cotidiano, suas imperfeições e seus acertos, seus desejos e fraquezas. Maria Luísa é uma personagem autêntica e verdadeira, como uma amiga, uma confidente com o leitor. A Gorda é uma leitura extremamente impactante e pessoal, capaz de tocar o leitor ou até mesmo refleti-lo entre as vivências. Foi certamente uma experiência muito importante para mim; uma história de sinceridade potente e difícil, mas real e necessária.
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