Valério 12/04/2018
Vai e vem
Li Martha Batalha e foi paixão à primeira leitura.
Em seu fantástico "A vida invisível de Eurídice Gusmão", Martha reproduz com riqueza narrativa o cotidiano de um Rio de Janeiro do passado.
Um jeito de escrever gostoso, cativante. Despretensioso e muitas vezes engraçado.
Não à toa, "A vida invisível..." se tornou um de meus livros favoritos e talvez o melhor livro que li em 2017.
Cheguei a comprar 5 edições para presentear pessoas queridas.
Ao saber do lançamento de "Nunca houve um castelo", comprei correndo (nem esperei a versão impressa, adquiri a já disponível versão eletrônica para o Kindle).
E lá estava novamente a narrativa gostosa, a recriação do ambiente e do cotidiano do RJ de antigamente.
Desta vez, com toques que me lembraram o realismo mágico de García Marquez.
Estava novamente encantado. Novamente, os protagonistas se alternam. E a descrição de cada um deles é feita pormenorizadamente. E não cansa. Cada vida no livro de Martha é interessante. E é justamente nos detalhes da vida de cada um. Aqueles detalhezinhos insignificantes do cotidiano, que está a grandeza e a beleza de sua escrita.
Até a parte final do livro.
Em "Nunca houve um castelo", Martha sai da sua linha, que tanto me conquistou, para discorrer por páginas e mais páginas e mais páginas, descrições da época de intervenção militar no Brasil. Descrevendo torturas já tantas vezes descritas, discorrendo sobre perseguições tantas vezes discorridas.
Transformando um lado em herói. Um acréscimo não apenas desnecessário, como descasado de todo o livro e sua aura cotidiana.
A seguir, um capítulo destacando o feminismo.
Para em algumas passagens dar destaque a um partido, como a esperança democrática.
Pode ter sido impressão minha. Mas, como leitor, tenho minhas impressões: Este livro saiu do objetivo de divertir e pareceu querer cumprir um papel um pouco além da literatura. E aí ficou chato, maçante. Forçado. Fora de lugar.
Todas estas paginas poderiam ter sido substituídas por poucas frases.
Até o ponto em que adota alguns discursos corriqueiros. O personagem maltratado vira um cidadão sem graça, apagado. E o símbolo que escolhe para representá-lo é virar leitor de Veja e telespectador da Globo. Ok, eu também não gosto nem da Veja nem da Globo. E nem digo que ela esteja errada.
Mas o discurso começou a virar um discurso muito repetido em redes sociais e Martha Batalha já havia se mostrado muito superior em sua escrita que se limitar a jargões.
Uma pena.
Por fim, quando passou essa fase turbulenta no livro, Martha Batalha voltou a ser Martha Batalha. E o livro voltou a ser sensacional. E terminou de forma brilhante.
Salvo pelo gongo, em um vai e vem desnecessário.
Começou bem, se perdeu em poço quase sem fundo e voltou reluzente.
Cinco estrelas para o começo e o fim. Uma estrela para o meio.
Três estrelas, na boa média.