Leticia_gg 11/04/2019
DETETIVE
"Nós, os maduros, temos a mania de desacreditar de todos os fatos que nos são contados, para que não alteremos o comodismo mental que nos acoberta. E o comodismo mental é ventriloquista de nossas atividades terrenas. Sem a mente em estado de sobriedade, não há porte físico que levante um homem da cama."
Quando eu era pequena, adorava ouvir histórias. Os contos de fadas eram meus favoritos, mas eu não dispensava uma boa história de terror. Naquela época, isso me tirava o sono e me rendia os mais bizarros pesadelos, o que, é claro, não me impedia de, na noite seguinte, pedir a minha mãe que me contasse outras. Os anos passaram, mas minha paixão pelo sobrenatural, o desconhecido, o absurdo e o medonho permaneceu. Por isso, quando a sinopse de Os dois fazendeiros caiu em minhas mãos, minhas expectativas não poderiam estar mais altas.
Zucato não decepcionou.
A premissa é simples: Enrico e Brasta, dois fazendeiros cultos e anciãos, disputam a posse de uma terra ao sul de suas fazendas. No entanto, o que essa terra esconde é, para além de um mistério, uma maldição.
Crescendo em torno de sentimentos vis de ganância e orgulho, o mato que cobria aquele terreno escondia mais do que o solo e as criaturas venenosas: abrigava, também, o mal. Por causa daquele espaço hostil, não só seus filhos desapareceram, como, em decorrência desse desaparecimento, suas esposas se suicidaram. Se não fosse uma maldição, de que outro modo poder-se-ia justificar os acontecimentos horríveis que se sucederam nesse lugar e, depois, por causa dele?
Vítimas de tamanha desgraça, Enrico e Brasta juram não mais disputar aquele pedaço de terra, o qual lhes tirou tudo o que tinham. No entanto, a promessa era apenas superficial e o orgulho, sentimento tão maldito quanto o lugar, impede-os de abandonar o assunto de vez. Quando nenhuma outra alternativa para dar fim ao conflito parece viável, matar um ao outro é a única saída que encontram. É nesse ponto que a narrativa tem início.
Embora seja antes uma novela que um romance, Os dois fazendeiros é um livro grande. Digo isso não por sua extensão, uma vez que conta apenas com 53 páginas, mas pela quantidade de coisas que suscita apesar de suas poucas palavras. Uma obra é composta também por não-ditos, pelo que se encontra nos silêncios entre os parágrafos, e a que Zucato construiu é cheia deles.
Na verdade, a quantidade e a qualidade das reflexões que suscita foi o aspecto de que mais gostei no livro. Precisei ler tudo duas vezes antes de iniciar essa resenha e, mesmo agora, ainda sinto ter muito no que pensar. Às vezes, antes de dormir, ainda me flagro criando teorias a respeito de tudo que se passou na narrativa. Isso se deve (não só, mas também) ao fato de que há, além de uma grande quantidade de referências a clássicos da literatura, das quais Senhor das Moscas e A Revolução dos Bichos são apenas dois exemplos, uma simbologia por trás a respeito da vida, da morte, do medo e da dor, cujas possibilidades de interpretação continuam a me alcançar mesmo agora, dias depois de ter finalizado a leitura.
[...]
CONTINUA NO SITE
site: https://grupocanetatinteiro.com.br/resenha-74-detetive/