Ramiro Catelan 07/07/2013
A herança que resta é a estafa
Sou fã de literatura fantástica há 10 anos. Acompanho desde a adolescência a saga Eragon, quando ainda era conhecida como Trilogia, e não Ciclo da Herança. O problema já começou com essa mudança. Li Eragon e Eldest, por volta dos 15/16 anos, com animação, apesar de o segundo ter alguns momentos bastante tediosos. Sempre achei a mitologia, os arquétipos e a construção do universo da Alagaësia interessantes, apesar das óbvias referências à obra de Tolkien e à saga Star Wars, com alguns elementos clichês.
Alguns anos depois, chegou ao Brasil a tradução de Brisingr, livro que devoreii com igual empolgação, apesar de torcer o nariz para a transformação da trilogia em "ciclo". Brisingr, mesmo com seu grande volume, é um livro veloz, fluido, de fácil leitura. Porém, já neste livro percebe-se o que, em Herança, seria uma marca forte, pegajosa: a enrolação. O terceiro livro do Ciclo da Herança já continha elementos que poderiam ser dispensados. Ficava, já, evidente a procrastinação da historia com vistas a vender mais com o lançamento de quatro, e não três livros, estratégia hoje em dia muito em voga no mercado cinematográfico hollywoodiano.
Então, em 2012, veio Herança. Me questionei se não foi o efeito da idade, do amadurecimento e da diversidade de leitura que desenvolvi, pois o começo da leitura foi difícil. Não tem nada a ver comigo, pensei melhor. Ainda gosto de literatura fantástica, mesmo a mais infanto-juvenil, apesar de ter ampliado meu leque de leituras desde a adolescência. O grande problema de Herança já foi citado nos parágrafos acima: a enrolação.
E a falta de enredo. Com essa falta de enredo, colocou-se, no texto, uma batalha atrás da outra, como que para preencher o vazio que a história foi tomando. Os conflitos interpessoais, as tramas políticas e outros elementos interessantes foram colocados em segundo plano, talvez porque Paolini pense que seus leitores sejam ávidos por uma batalha atrás da outra. Eu adoro cenas de batalha. Fizeram parte da minha infância, da minha adolescência. Mas o que temos aqui é um exagero.
Esse exagero tornou a leitura arrastada. Demorei dois meses para finalizar o livro. Sinto que Paolini se perdeu no meio do caminho e, na falta do que dizer, foi enchendo espaco ora com batalhas ora com a descrição de minúcias absolutamente irrelevantes para a história. Sério, metade do livro vai nessa onda. Longas descrições de jantares, de diálogos internos ridículos, de caminhadas que não levavam a lugar algum. Isso deixa uma impressão de que o texto é estático, não se move, apesar de tantas batalhas.
Personagens interessantes, como Angela, simplesmente foram usados como deus ex machina e dispensados quando não tinham mais serventia. Creio que isso foi consequência da falta de enredo. Pensando melhor agora, Brisingr e Herança poderiam ser condensados num livro só. Não se perderia muita coisa.
O que mais me marcou no livro, afora a encheção de linguiça, foi o final. Decepcionante. Não darei spoilers, mas, quando chega-se, afinal, à resolução do conflito da saga - muito fraca, a meu ver -, Paolini simplesmente gasta quase CEM páginas com... Nada. Cem páginas de pura enrolação, que poderiam ser condensadas em, sei lá, vinte, no máximo.
O final não é convincente. Não faz sentido. Me pareceu que a inspiração abandonou Paolini e foi substituída pela ânsia de vender mais livros, culminando em batalhas, batalhas, batalhas, descrições tediosas, mais descrições tediosas e longas. Elementos legais foram deixados de lado. Sacadas que apareceram no meio da história, que poderiam ser muito bem aproveitadas, foram mal utilizadas. Senti meu tempo e minha expectativa serem arrancados. Não pretendo ler nada mais vindo do autor, depois deste livro. Uma pena.
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