Bia 24/06/2020
Divisor de opiniões...
Confesso que por mais que sinopse tenha feito um excelente trabalho em me conquistar, foi o trabalho gráfico desse livro que me fez querer investir dinheiro nele. Tenho o hábito de ler a maioria dos meus livros nas versões online mas esse livro parecia tão bonito e tão cheio de detalhes que tive a sensação de que seria uma leitura incompleta se eu não tivesse a versão física dele em mãos, e acho que eu estava certa mesmo. O lance das páginas começarem claras e irem escurecendo conforme a história se torna mais densa foi uma sacada genial, e contribuiu muito da sensação de falta de ar e nervosismo que fui tendo ao me deparar com a parte final do livro, então foi uma experiência muito inovadora!
Agora, deixando de lado esses detalhes mais técnicos, a história... Acho que O Rei de Palha é um desses livros que dividem opiniões, sabe? E acho que isso nem se deva a toda temática trabalhada pela autora, porque o conteúdo do livro é sim muito interessante, mas a forma como ela trabalhou com isso e como escolheu desenvolver os personagens e o enredo, isso eu acho que realmente vai agradar muito uns, e decepcionar muito outros. No meu caso, a surpresa foi agradável. Acho que a Ancrum fez um trabalho ótimo. Além do trabalho gráfico, outra coisa que me surpreendeu nesse livro foi o tamanho dos capítulos, que não ultrapassam mais do que três páginas, no máximo. Acho que nunca li um livro tão capítulos tão curtos, e acho que foi isso que me fez devorar a história em uma sentada só, desesperada para saber o que é que havia naquelas páginas pretas no final.
A história do Jack e do August começa com uma fórmula bem conhecida e até clichê: os dois são opostos e ainda assim melhores amigos, e a coisa toda se passa no colegial. Enquanto Jack é um aluno modelo, popular, atleta do time de rúgbi e pertencente a mais alta hierarquia nas mesas do refeitório, August prefere ficar longe dos holofotes. Ele vende drogas para ajudar com as despesas de casa e tem poucos amigos. Assim, por conta desses mundos tão distintos, os dois jovens raramente se comunicam dentro da escola, deixando pra viver essa amizade, que começou na infância, do lado de fora, de modo que são poucas as pessoas que sabem que eles são amigos.
E por mais opostos que eles sejam, aquilo que eles tem em comum é o que parece ser capaz de uni-los de forma permanente: pais ausentes e negligentes. A história, ao meu ver, me passou demais a sensação de que todos os problemas ali seriam facilmente resolvidos se os adultos responsáveis pelos dois fossem mais presentes e realmente responsáveis. O fato é que eles não são, e por conta disso o Jack e o August precisam se apoiar um no outro de todas as maneiras possíveis, tanto emocionalmente quanto fisicamente. É uma relação de dependência bastante explícita, tanto que o Jack, tem vários momentos, demonstra ter um comportamento possessivo em relação ao amigo, e o August aceita isso sem problemas, porque parece que ele entende que sua missão é a de cuidar do Jack e servir a ele.
E é justamente nesse ponto que eu acho que a história vai dividir opiniões, porque é uma questão bastante problemática, que acredito que muita gente vai criticar e etc, mas muita gente vai olhar por outro ângulo e compreender... E como a própria história nos ensina: tudo é uma questão de perspectiva. Eu genuinamente acho que não haveria como os dois desenvolverem uma relação diferente diante das circunstâncias nas quais eles se encontram, e que a autora trabalhou com isso da maneira certa: não embelezou, mostrou como a questão da lealdade, quando em excesso e em forma de dependência emocional, é também cheia de aspectos negativos. Então, pra mim, não foi um problema, mas sim um ponto chave e extremamente necessário pro desenvolvimento do enredo.
Quando o Jack começa a sofrer com alucinações, que com o passar dos meses se tornam cada vez mais reais e presentes, a ponto de dificultar sua vida cotidiana, essa relação de dependência entre os dois se torna ainda mais acentuada. É evidente que August, em seu papel de melhor amigo, não hesita em ajudar o Jack, mas a forma como ele faz isso é bastante fora do comum: ao invés de buscar ajudar profissional, ele resolve mergulhar no mundo de Jack junto com ele. Assim, os dois começam a tentar descobrir esse mundo novo, que parece conter uma profecia. A hipótese dos amigos é que se eles conseguem resolver o problema que esse mundo imaginário do Jack enfrenta, as visões irão sumir. Então, com isso mente, eles se envolvem cada vez mais nessa história. Mas, como era de se esperar, chega um momento em que a coisa deixa de ser segura e saí do controle.
As páginas finais do livro, como já disse, me deixaram com uma sensação de ansiedade muito grande, porque a gente vai vendo o desenrolar da coisa e percebe que não tem como aquilo acabar bem. Eu tive que ficar parando pra respirar fundo porque tiveram vários momentos que eu só queria gritar pros personagens: pelo amor de Deus, vão falar com os adultos responsáveis! Mas quem eram os adultos responsáveis? Eles não tinham esse referencial, e isso me deixava ainda mais angustiada. Mas sem dúvida alguma, a forma como a autora amarrou tudinho e concluiu a história, me pegou de surpresa. Eu criei uma porção de possibilidades, e errei todas. E confesso que fiquei feliz de ter errado, porque a Ancrum me deu um final bastante coerente e aceitável.
Outra coisa que também me deixou bem feliz com a leitura foi que o Jack e suas alucinações são o ponto principal da história, mas isso não significa que o August não tenha seus problemas próprios, e por mais que a narrativa não gire principalmente em torno deles, eles estão lá pra você juntar os pontos e perceber o quadro geral.
Eu adorei demais a forma como o relacionamento entre o Jack e o August foi desenvolvido, porque muita coisa do que acontecia entre eles não era explícita em diálogos mas sim em ações. Chegou um ponto em que a coisa não tava nada óbvia pros personagens, mas tava bastante óbvia pra mim, e eu acho muito incrível quando a história consegue fazer isso, esconder algo dos próprios personagens mas deixar bem claro pro leitor! E isso acontece muito bem aqui, na relação afetiva entre os dois.
Em resumo, gostei muito muito muito da narrativa que a autora optou por fazer. Acho que os capítulos curtos combinam com a história, acho que os personagens secundários foram bem trabalhados não a nível de profundidade, porque esse não era o objetivo, mas sim no sentido de que graças a eles a história do Jack e do August se torna ainda mais clara e compreensível.
Acho que é um livro feito pra você sentir, e não pra você tentar racionalizar.
Não é o melhor livro que já li, e nem o melhor dentro da temática, mas certamente foi um dos que mais me mobilizou emocionalmente falando. Os personagens cresceram em mim, e eu consegui me envolver com eles e pegar aquele tipo de carinho que te faz terminar a leitura e pensar "puts, será que eles tão bem? espero muito que eles estejam bem" o que é sempre uma sensação muito melancólica porém de um jeito bom...
Não é um livro que eu vá sair recomendando pra todo mundo ler, justamente porque não acho que seja um livro de leitura fácil, e que agrada a todos. Mas se você quer uma história que vai te deixar pensando por um longo tempo, então eu recomendo! :)
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