Nobel

Nobel Jacques Fux




Resenhas -


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Alexandre Kovacs / Mundo de K 17/07/2018

Jacques Fux - Nobel
Editora José Olympio - 128 Páginas - Lançamento: 02/04/2018.

Este ano fomos surpreendidos pela declaração da tradicional Academia Sueca sobre o cancelamento do prêmio Nobel de literatura de 2018 devido ao escândalo envolvendo integrantes da organização com denúncias de assédio sexual e suspeitas de corrupção. Muitas críticas já foram feitas no passado à Academia pela falta de transparência nos critérios de escolha, assim como pela influência política e econômica nos resultados em detrimento do valor literário das obras, como demonstra a concentração de laureados em língua inglesa, francesa, italiana e alemã, fato que nos faz pensar se não há também livros de valor sendo escritos em japonês, chinês, hebraico e português. Por sinal, o nosso idioma pátrio foi lembrado uma única vez, com José Saramago, em mais de cem anos.

Nesse contexto, Nobel, quarto romance (se é que podemos chamar assim, por falta de definição melhor) e mais recente lançamento do escritor mineiro Jacques Fux, parece estar no lugar certo e na hora certa, pois vem acrescentar uma nova abordagem, muito bem-humorada, diga-se de passagem, sobre o mundo egocêntrico e das vaidades exóticas dos cânones literários, ao realizar — sem a menor modéstia — o sonho de todo escritor e se colocar como o primeiro brasileiro a ser galardoado com a prestigiosa honraria, como descrito na abertura: "Após anos de escolhas polêmicas, algumas vezes equivocadas e até vergonhosas, finalmente os nobres cavalheiros se redimiram e tomaram uma decisão acertada. Caríssimos, o vosso dever foi cumprido. Parabéns. Eu, sem dúvida alguma, sou merecedor incontestável desta premiação".

O trecho acima marca o início do tradicional discurso de agradecimento, parte integrante do protocolo da premiação Nobel, que irá se estender por todo o livro e no qual o nosso autor-protagonista transformará o "seu 'eu', real e biográfico, em um 'eu' ficcional e ventríloquo da memória e da obra dos outros", destacando passagens polêmicas da biografia de famosos laureados como Sartre, Canetti, Camus, Hemingway, Kawabata, Walcott, Coetzee, García Márquez, Vargas Llosa, Saramago e muitos outros, e sem esquecer também de alguns grandes escritores injustiçados pela Academia como: Kafka, Borges, Mishima, Nabokov e Ionesco. Como exemplo das digressões nada "politicamente corretas" de Jacques Fux, transcrevo a parte abaixo que discorre sobre a inusitada relação amorosa de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir — como é bom ler um autor que não tem medo de patrulhamentos.

"Enciclopedistas colegas, Sartre e Simone se conheceram em 1929. Jovens, ele com 24 e ela com somente vinte e um anos. Linda, cheia de vida, inteligentíssima e versátil, Simone já se tornava protagonista de todas as fábulas e camas em que atuava. Tinha um namorado, René Maheau, com quem iniciou seus primeiros jogos de corpos e de fluidos. Mas ela almejava muito mais. Seu desejo físico, intelectual e metafísico era infinito. Sua alma nunca parava de investigar as vicissitudes e os particularismos humanos. Mas isso, meus senhores, Pirros e Cíneas, já sabem. Não polemizo nada de novo. O interessante é que o encanto da bela Simone pelo horrendo Sartre nasceu justamente ao ver abaladas suas estruturas, crenças e certezas. Ela, ao colocar os olhos nesse homem-inseto-abjeto, nesse corpo torpe-impressionista — 'baixinho, caolho, vesgo, assimétrico, desarrumado e um tanto fétido' —, se apaixonou. Fetiche? Sim, mas Sartre também era muito inteligente, divertido, ambicioso e agradável. Porém foi seu exotismo antierótico que enfeitiçou a feminista." (Págs. 40 e 41)

Uma das ideias que norteia o texto de Jacques Fux é a de que os escritores que atingiram o status de "sagrados" são também humanos e, portanto, capazes igualmente de atos generosos e mesquinhos, honrosos e covardes. De fato, o bom humor da narrativa vai ficando um pouco amargo ao longo do livro, na medida em que Jacques Fux descreve os escritores suicidas como Kawabata, Mishima e Hemingway, e cita outro famoso filósofo laureado, Albert Camus, que resumiu bem a questão quando declarou que "só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão fundamental de filosofia." Mesmo para Yukio Mishima, que executou um suicídio ritual com requintes de crueldade, o bilhete de despedida deixava uma mensagem eternamente ambígua: "A vida humana é limitada, mas eu gostaria de viver para sempre".

"Trapaceiros senhores, somos ventríloquos de uma voz que não existe e que insiste em falar sobre o que não se pode nem de longe dizer. Somos parte de uma voz que narra faltosamente o indizível. Que representa e experimenta uma falsa e ardilosa experiência. Mutismo, limitação, imobilidade. Somos uma babel de silêncios e palavras. Não há nada de novo e nem de inédito em nossas escritas. Em nossas falas, falsidades e elucubrações. Beckett nos presenteou com a afronta da existência vazia. Seguiremos, inúteis, preenchendo lacunas, silêncios e orifícios. Para nada, amigos. Textos e palavras 'para nada'" (Págs. 112 e 113)

Que me desculpem os partidários de que a literatura tem que ser uma coisa séria, a verdade é que não é fácil escrever com bom humor, o drama é sempre mais acessível à ficção. Logo, como não concordar com a escolha de Jacques Fux pela Academia Sueca, principalmente neste tumultuado ano de 2018, época na qual o nosso país luta para superar terríveis problemas de autoestima, perdemos a Copa, mas o Nobel é nosso! Finalizo esta resenha com o hilário resumo-justificativa, outra característica do protocolo: Jacques Fux é o escritor laureado neste ano (em que, na verdade, não teremos escritores laureados) "por ter performado, falsificado e duplicado a narrativa dos escritores canônicos, transformando-a em sua perturbada obra."
Ferreira.Souza 14/10/2020minha estante
fraco




iagofelipeh 07/08/2022

Hilário!
Um livro satírico extremamente inteligente e perspicaz do Jacques Fux.

A obra trata de um discurso do protagonista Jacques Fux numa hipotética vitória do prêmio mais importante da literatura mundial, o Nobel.

Temos, desse modo, no estilo característico do autor, uma completa subversão da formalidade que se espera de um laureado, onde sob a égide de uma posição de linguagem elitista comum entre a cúpula literária mundial, o protagonista zomba, vilipendia e humilha de modo generalizado. Traz a tona escândalos nunca muito abordados por vencedores ilustres do prêmio, e como se fosse próximo de todos, revela de modo quase escatológico os podres e a ruindade tipicamente humana, as inúmeras contradições e idiosincrasias.

Sempre colocando seu personagem num pedestal intelectual superior e numa visão quase divina e onipresente, Fux faz um simulacro surrealista da realidade, fazendo o leitor desmitificar diversas convenções particularmente elitistas e sem sentido presentes na cúpula literária sem tirar-lhes a sua enorme importância.

Muito divertido e bem escrito, principalmente pra quem gosta de ler os clássicos e vencedores do Nobel.
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Peleteiro 11/02/2019

Um grande achado contemporâneo
Indiscutivelmente, Jacques Fux possui uma escrita genuína. É evidente, logo nas primeiras páginas, o quanto o autor domina a narrativa com maestria. Com um vocabulário rico, mas, ao mesmo tempo universal, aborda questões essenciais e profundas que há muito venho sentindo falta ao “garimpar” a literatura nacional. Aliás, durante esse “Garimpo”, passei a crer que à literatura brasileira contemporânea faltava sarcasmo, malícia e estilo, ao menos até encontrar tudo isso de sobra neste trabalho. Me arrisco a dizer que, em meio a tantas obras ordinárias e “ok” que acabei lendo, "Nobel" é uma daquelas que aparece 1 vez a cada 50, agredindo o superficial e se tornando incapaz de perecer. Recomendo fortemente!
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Mariana 10/09/2018

Calhordas senhores, geniais literatos
"Mas, sejamos honestos, não há mais tempo para sofismas: todo escritor é um amálgama de Narciso e Dorian Gray."

O livro é um discurso-sátira sobre os laureados do prêmio Nobel. O autor-personagem acaba de ganhar o prêmio Nobel e, em seu discurso, traz à tona polêmicas dos ganhadores anteriores. Expõe infâmias das vidas de Sartre, Saramago, Grass, Vargas Llosa, Kafka. Em tom de brincadeira/crítica/autodepreciação, o autor critica atitudes imorais ou politicamente incorretas desses tantos grandes nomes da literatura que são esquecidas frente às suas reconhecidas genialidades na literatura. Sobre a premiação em si, ele a define como:

"Um desejo de enquadrar, classificar, entender e propagar ideias que se encaixam aos pensamentos do status quo dos senhores, energúmenos acadêmicos. Mas vejo o prêmio que me concedem como a minha libertação desse obsessivo e egoico mundo literário."

Interessantíssimo, acho que desnuda bem a nossa humanidade e as nossas fragilidades, além de ser divertido e facilmente lido em uma tarde.
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fev 18/05/2021

Autor consagrado nem é gente, é coisa ruim
Jacques Fux ganha o prêmio mais famoso e cobiçado da literatura mundial. Nobel é o seu discurso de agradecimento. Com um texto inundado de ironia e sarcasmo o autor fala sobre as escolhas da academia sueca. As escolhas que permeiam o machismo, o racismo, o tráfico de influência. Isso não fica a cargo somente dos votantes. Muitos dos autores premiados também carregam em sua bagagem um passado não tão agradável. Ao longo do extenso agradecimento o Fux se usa do caráter dos laureados para afirmar que, assim como ele, pessoas de caráter ruim podem construir obras magníficas com poder de influência significativo. Muito dos autores premiados eram pessoas detestáveis.

Além de uma grande crítica a tudo isso àquela velha questão: é possível separar o autor ou autora da obra? Eu, sinceramente, não sei. No entanto, é sempre possível questionar e discutir sobre seus ideais que, com certeza, perpetuam a obra que escrevem. Fux usa muito da liberdade criativa para aumentar as histórias dos autores e deixa isso claro. No entanto, muito do que li ali e fui conferir era verdade. Não posso me deixar de ter ficado extremamente surpreso. Pessoas ruins escrevem coisas incríveis e muitas vezes fica por isso mesmo.

Fux, o personagem-escritor que não vale nada, começa o livro de forma arrebatadora. A escrita rebuscada e humor na medida certa me dominaram logo de cara. Entretanto, um pouco depois da metade ele perde fôlego e as críticas irônicas ficam menos profundas. Apesar de reconhecer isso eu já havia sido conquistado. Enfim, se você gosta de fofoca no meio literário esse livro é um prato cheio. Fica a recomendação.
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