Toni 06/09/2021
Leitura 51 de 2021
Os trabalhos e as noites [1965]
Alejandra Pizarnik (Argentina, 1936-1972)
Relicário, 2018, p.
“Poesia tem de ser pouca”, dizia Manoel de Barros — e lida em pequenas doses de cuidado, acrescento eu. Quando soube que a Relicário lançaria mais dois livros da poeta argentina este ano, atirei-me com calma e vontade de mergulho à leitura de Os trabalhos e as noites. Para aplacar a ansiedade, claro, mas também para aprender a esperar —com muito gosto—no escuro profundo e imperturbável da poesia de Pizarnik.
Como adverte Ana Martins Marques no prefácio a este volume (também contemplado com um posfácio do tradutor Davis Diniz), “os poemas de Pizarnik giram em torno de um catálogo limitado de palavras e imagens”, e “a partir de uma série reduzidíssima de elementos”, a autora compõe “poemas quase sempre muito breves, extremamente depurados, de uma terrível limpidez”. Essa “limitação”, contudo, é precisamente o ponto de pressão e expansão de sua poética, capaz de mostrar o eu que escreve, o outro e o mundo no interior cindido de uma mesma palavra, como em POEMA, que abre este volume:
"Tu eleges o lugar da ferida
onde falamos nosso silêncio.
Tu fazes de minha vida
esta cerimônia demasiado pura."
A brevidade e pequenez dos gestos de Pizarnik nos ensinam a cair no silêncio, na noite, na solidão das “horas nuas”. Aos poucos, sobretudo na terceira parte do livro, as imagens de muros se tornam mais fortes e recorrentes, e a voz poética parece enclausurar-se no escuro quente de seu dom particular, resguardando-se do “impuro meio-dia branco”. A noite é, com efeito, o momento em que a poesia evidencia o “tão longe, tão perto” entre literatura e vida:
HISTÓRIA ANTIGA
Na meia-noite
vêm os vigias infantis
e vêm as sombras que já têm nome
e vêm os perdoadores
do que cometeram mil rostos meus
na ínfima fissura de cada jornada.
É justamente nessas "ínfimas fissuras" que os poemas de Pizarnik nos abrem à "delicada urgência do sereno". Não poderia recomendar mais este universo de tão poucas palavras, tão pequeno e depurado, mas onde cabemos todos nós.
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