rekizone 15/10/2023
Proposta boa, execução deplorável
Admito que, quando comecei a ler Heart of The Fae, estava bastante animada com a premissa do livro. Presa em uma longa (e cansativa) viagem, o livro me chamou a atenção pelo enredo que combinava elementos da mitologia celta e a história da Bela e a Fera. Isso sem falar que, como uma leitora fanática por histórias envolvendo fadas (faes, feéricos, chamem como preferir) e sua natureza cruel e mortal, jurei que pelo menos me divertiria um pouquinho de nada com a história.
Eu estava enganada.
Por não estar em casa e com uma internet falha, farei uma resenha breve. Comecemos pelos pontos positivos da leitura: achei bastante criativa a maneira como a autora colocou cristais no lugar de sangue de Eammon, a ambientação no começo e a história do próprio Eammon.
Quanto aos negativos, posso destacar:
1) O livro é pouco coerente em certos aspectos. Um exemplo vívido é quando Sorcha fala que é pagã, mas é descrita fazendo um sinal da cruz (cristã) em certo momento. Ademais, em que pese eu tenha perdoado por assumir que se tratava de um universo completamente diferente do nosso (e por isso não tenha compromisso com a veracidade), os períodos históricos estão embaralhados um no outro; em uma hora parece se tratar do período medieval, em outra as vestimentas lembram a do período vitoriano inglês. Confuso, mas irei atribuir isso a uma falta de pesquisa aprofundada por parte da autora e relevar.
2) A química entre os personagens é inexistente. Eu relutei tanto a shippar os dois simplesmente porque, para mim, não havia NADA lá, apenas duas pessoas que Emma Hamm estava forçando em minha goela. Adaptações de A Bela e a Fera são muito fáceis de estragar, em particular com a quantidade absurda de histórias seguindo o mesmo padrão, e dessa vez não foi diferente,
o que talvez explique porque eu não senti nenhuma conexão entre os personagens (tudo parecia um pouco do mesmo que já foi escrito antes).
3) Eu odeio a Sorcha. Ela é a maior das Mary Sues que existem, o que quer dizer, entre outras palavras, que ela ?não é como as outras garotas?, que ela é gentil com todos, que não tem defeitos, é praticamente a Madre Teresa reencarnada etc etc. Outrossim, nenhum dos personagens secundários pareciam se opor a ela: Marcha, uma temida e perigosa fada, lhe oferece ajuda sem cobrar nada apenas porque ?acha que vai ser interessante?; os gêmeos são facilmente convencidos por causa do quão ?fora do convencional? e (novamente) ?interessante e diferente? ela parece ser; todos os personagens passam parágrafos e mais parágrafos descrevendo o quão gentil e amorosa e diferente dos outros humanos ela é, e isso é extremamente irritante. Um personagem sem defeitos é infinitamente mais tedioso do que um repleto deles, até porque os defeitos servem para humanizá-los.
4) A família da Sorcha. O ?Papa? dela que ?acolheu? diversas garotas em situação de vulnerabilidade e depois as colocou para trabalhar como prostitutas? mas, por algum motivo, todos o amam, agindo como se não fosse um cafetão se aproveitando de garotas vulneráveis. (Menos da Sorcha, é claro, porque ela era boa demais para trabalhar como prostituta e deveria focar em ser curandeira). Sinceramente, eu não vi nenhum motivo para simpatizar com o cafetão em seu leito de morte. Bom livramento que ele estava morrendo, isso sim. Por que precisaríamos embarcar nessa aventura por causa dele mesmo?
5) O discurso feminista liberal do livro que parece extraído de uma thread do Twitter e não é nada sutil. Ao invés de vermos as nuances da opressão das mulheres, em especial nesse período, Emma Hamm bate nas nossas cabeças repetidas vezes com frases do tipo ?Você não pode nos ajudar porque É UMA MULHER? (coisa que se repete com certa frequência no livro, diga-se de passagem). Ademais, como eu disse, o fato de garotas jovens estarem trabalhando como prostitutas é exaltado no livro, e em que pese prostitutas não devam ser depreciadas ou ter que sofrer com quaisquer julgamentos da sociedade por causa de sua profissão (até porque é, afinal de contas, apenas mais uma profissão como qualquer outra), me parece um pouco torto você querer defender esse ramo de trabalho para literalmente adolescentes, em especial nesse período histórico e de opressão feminina.
6) Nenhuma fada parecia verdadeiramente cruel ou traiçoeira, o que é uma grande parte de sua natureza que foi completamente ignorada. Muito se fala sobre não confiar nelas, mas nada é de fato visto. Nesse sentido, Cassandra Clare e Holly Black, bem como Juliet Marillier com seus livros sobre mitologia celta, tiveram caracterizações muito melhores.
Provavelmente têm outros pontos que eu gostaria de destacar, mas por enquanto finalizarei a resenha por aqui. Se você leu Heart of the Fae e gostou, que ótimo! Gostaria que esse tivesse sido o caso para mim.