Ivandro Menezes 19/05/2018
Conversa de Jardim
Para início de conversa, se você que me lê chegou aqui esperando uma crítica literária, deixe-me dizer que não é esse o caso. Não tenho aptidão técnica para desempenhar tal função. Sou apenas um “leitor comum”, para usar uma expressão trazida pelo Roberto Menezes em um trecho das muitas conversas que renderam o Conversa de Jardim, ao lado de Maria Valéria Rezende, publicado pela Editora Moinhos.
Os escritores, que se conheceram nas reuniões do Clube do Conto da Paraíba, aproximaram-se pela escrita. Beto, lembra que Valéria e Dôra Limeira, o influenciaram bastante. O “teimoso” físico foi depurando as críticas e incorporando-as enquanto melhoria para sua literatura. Sentados no jardim de Maria Valéria Rezende, entre as macaxeiras plantadas junto as roseiras e vislumbrando os mandacarus em flor, eles vão falando e falando sobre literatura, processo criativo, escritores inciantes e suas vivências e memórias. Nada disposto em tópicos herméticos como em manuais, mas se mesclam a partir do que vai se propondo e surgindo, uma coisa puxando a outra, rendendo um caldo de coisas ditas e outras ainda por dizer.
Os primeiros capítulos – diria que as primeiras vinte páginas – me causaram uma sensação incômoda, mesmo não conseguindo definir se pelo caráter explicativo (de como o livro funciona) ou se pelo desconforto das vozes intercaladas. Posso garantir, depois de passado esse primeiro desconforto, puxei a cadeira e me sentei junto a eles, como aquele moleque que fica ali aos pés dos pais fingindo que não ouve a conversa. Senti-me confortável, emocionado, triste, feliz, numa gangorra de emoções e reflexões.
Não é um livro denso, profundo, como alguns podem supor, mas uma conversa entre dois amigos e duas gerações. Percebo a necessidade dela em deixar o legado e a ansiedade dele em construir um. Há uma generosidade maternal nas palavras de Valéria, no jeito de olhar para Beto; e, do outro lado, a reciprocidade de Beto, uma quase necessidade, uma carência manifesta no gesto e gosto em ouvi-la. Esse sentimento não é artificial, ficcional, soa genuíno, natural, autônomo. E essa generosidade, afeto, cuidado se estende ao leitor.
Tal qual João e Maria largando migalhas pelo caminho na floresta, Beto e Valéria vão largando migalhas de seus percussos e modo de fazer e experimentar a literatura. Principalmente, para o leitor mais curioso e o escritor inciante, a quem dedicam parte da conversa, pode ser uma fonte de aprendizado e, em especial, de segurança. Atentam a importância de se vencer o isolacionismo e conclamam a interação com outros escritores, a aguçar o olhar e a observação dos mundos em que trafegam.
Demonstram que a grandeza da literatura forjada na vasta formação de Valéria ou nos romances deixadas nos cestos do sebo do Heriberto que fizeram o Beto. “Estou convencida que todo mundo é um romance“, diz Valéria, sentenciando que a matéria-prima para as narrativas não se escondem em profundas e pouco acessíveis jazidas. Na superfície de todos nós, de nossos bairros, dos ônibus lotados, vielas esquecidas, rincões deixados para trás pelo tempo ou memória, encontra-se vasto material para tecer narrativas belas, intensas e universais, sejam ambientadas nos cantos esquecidos de Porto Alegre ou nos loteamentos abandonados de Tibiri.
Se permite o conselho, puxa a cadeira e junte-se à conversa.
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