Retipatia 05/12/2018
Por um mundo Pós-F!
Falar de Pós-F é falar de Fernanda Young e do que é viver. E, ao mesmo tempo, falar de tudo e quase nada. Tudo, pensando que cada tópico levantado pela autora é digno de debate, de reflexão, de colocar a cara a tapa para assumir algumas verdade e preconceitos. Nada, porque, não interessa, algum dia talvez o tudo seja desconstruído, ou ainda, porque o tudo que ela aborda não seja suficiente para esgotar os temas que suas vivências consideraram como críticos nos dias atuais.
Não que autora deseje dar lições de moral, ou ser expert em qualquer um dos assuntos que aborda. De cara ela já diz que não é especialista em nada. E, livre dessa necessidade, explora os recônditos do que é ser mulher, do que é ser homem nos dias de hoje. Do outro, como ela ressalta, dos limites, padrões e regras que a sociedade começa a se impor e a cobrar.
Em uma edição que combina ilustrações, feitas pela própria Fernanda, trechos de conversas, cartas escritas e textos que dialogam com o leitor, Pós-F, vem, de maneira irreverente, tentar mostrar verdades nuas e cruas das vivências. Das vivências de Fernanda, em especial, mas que casam perfeitamente com a minha ou a sua. Com a de qualquer leitor.
A brincadeira do título, Pós-F, F de Fernanda, F de Feminismo. Esse, rende. Porque a própria autora não se assumia como feminista por grande tempo. Dizia que não era algo dela e, ao mesmo tempo, deixa claro que não busca o feminismo que está estampado em muitas camisetas do mundo afora.
E, dizendo isso, lembra do papel de inclusão, de ensinar que o feminismo deve ter. De incluir aqueles que oprimem para que não mais o façam. Muito mais do que apenas os homens que exercem seu lugar-comum de atitudes confortáveis e desconfortáveis, a cobrança que os impera e o viés tóxico que também as mulheres podem atuar. Papel que não é lembrado com frequência e gera uma fragmentação e maior alimento do seu extremo oposto: o machismo.
Pode parecer estranha essa dicotomia, mas depois de dias de finalizada leitura, chego ao mesmo ponto da autora. E, ao mesmo tempo, me recordo das palavras de Chimamanda Ngozi Adichie em seu discurso intitulado Sejamos Todos Feministas, sobre os estereótipos que limitam o termo feminista e feminismo, assim como a colocação de que, tanto mulheres quanto homens podem ser feministas. Sem dúvidas este não é um assunto fácil de lidar, de dialogar, Young sabe disso, mas o faz sem papas na língua (ou no texto).
Esse não é o único ponto que a autora aborda no livro. Ela fala sobre sexualidade feminina, sobre assédio. Em como vários temas ainda são tabus e precisam ser debatidos. Ela fala dos extremos, de como uma ideia para determinadas ações tem sido alargada de maneira a caber tudo que incomoda. Tudo que, especialmente, incomoda no outro.
E é bom lembrar que boa parte do que incomoda tem viés cultural e este, não se muda do dia para noite. Para mudar a cultura é preciso agir no comportamento e, para isso, é preciso instituir lições que se adequem ao dia a dia das pessoas. Sem dúvidas uma jornada complicada e longa, mas lutada diariamente e possível de obter êxito.
O papel da mulher na sociedade, assim como o respeito ao outro, que acaba reverberando em todas as páginas do texto, é explicitado através da liberdade que a própria autora possui como mulher que se reinventa, que renasce a cada ciclo e que sabe que toda essa desconstrução e reconstrução são necessárias. Ela não quer papel x ou y, como diria, prefere morrer a ser dona de casa. Porque sabe de si, de seus limites e do que suporta. E, especialmente, do que não suporta.
A autora ainda nos presenteia, entre capítulos, com cartas aos mais interessantes destinatários: 'a quem não nos enxerga', 'aos vendedores de ilusão', 'à bunda', 'ao pequeno sabotador interno'... diálogos para lá de identificáveis com quem lê. Medos e aflições comuns ao ser humano que habita o mundo de hoje e o mundo de alguns anos atrás (não duvido que daqui a alguns anos à frente, também).
Pós-F foi meu primeiro contato com a escrita de Fernanda Young, e suscitou a necessidade de conhecer suas outras obras, para ler-te em versão não autobiográfica. E, apesar da redundância, não poderia terminar o livro sem desejar o Pós-F, o mundo Pós-Feminismo, em que qualquer ação como essa já não seja necessária. Que o respeito ao outro perpetue, independentemente de qualquer coisa.
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