spoiler visualizarIsa Beneti 26/08/2022
Um futuro macabro e involuído
Fui estimulada a ler essa obra pela minha professora da faculdade, após ter lido, para a aula, o conto "Os Argonautas Crônicos", que foi como um precursor para esse livro. Afinal, nesse conto, a teoria da viagem e da máquina do tempo já são expostas tal como no livro (com base na ideia da "quarta dimensão"). H. G. Wells foi o primeiro escritor a utilizar o termo "máquina do tempo" num livro de ficção científica!
Tanto no conto quanto no livro, o protagonista- que no conto possui um nome super difícil e no livro é chamado apenas de "O Viajante do Tempo"- defende a ideia de que não vivemos em apenas três dimensões, mas sim em quatro, já que não estamos limitados às dimensões espaciais: também vivemos na dimensão temporal. E a teoria vai além: assim como podemos nos locomover (mesmo que de maneira limitada) nas três dimensões espaciais, também seria possível se movimentar na dimensão temporal!
Toda essa ideia é contada, já no primeiro capítulo, pelo Viajante do tempo aos seus amigos, incluindo personagens como o Médico, o Prefeito Provincial, o Rapaz (entre outros personagens sem nome) e também o narrador, quem transmite toda a história. Os primeiros e os últimos capítulos são narrados em primeira pessoa por ele, e os capítulos do meio são narrados em primeira pessoa pelo Viajante, pois são como transcrições da fala do Viajante. Ainda nesse primeiro capítulo, o Viajante mostra aos seus amigos o seu incrível modelo de invenção: uma miniatura do que seria, posteriormente, a sua máquina do tempo- uma estrutura capaz de se locomover através da quarta dimensão. No entanto, nenhum de seus colegas acreditou nele.
Passado algum tempo, os mesmos personagens estavam reunidos novamente na casa do Viajante, quando este chega em condições deploráveis, assustando a todos por sua situação. Depois de tomar banho e comer, o Viajante conta tudo o que passara nos últimos dias, e os capítulos seguintes são narrados por ele.
Começa, então, a narrativa da viagem do tempo. O Viajante descreve como, desde o começo, ele já tinha curiosidade de saber qual seria o destino da humanidade e, por isso, uma vez que percebeu que sua invenção funcionava, se dirigiu a um futuro muito distante. Essa é uma parte muito interessante da história: a descrição da viagem em si. O narrador conta que vê os dias passarem, e, à medida que vai acelerando, vai sentindo sua cabeça doer com tamanha rapidez na variação da claridade (dia e noite). O modo como ele observa as mudanças é muito interessante: o fato de ser tudo narrado por um cientista faz com que ele se atente a todos os detalhes e tente elaborar hipóteses sobre TUDO, principalmente quando ele chega ao seu destino final.
Ele para, por fim, no ano 800.000, e de cara já começa suas observações e elaborações de hipóteses. Ele imaginava, por óbvio, que num ano como esse a humanidade estaria num patamar muitíssimo avançado de tecnologia e desenvolvimento. Entretanto, acaba se decepcionando ao se deparar com uma humanidade "decadente", vivendo em meio a vários edifícios em decomposição: os Elois. Essas criaturas baixinhas e sensíveis se comportavam como criança se viviam em harmonia entre si. Usavam roupas finas de seda, comiam frutas e dormiam sempre em conjunto, com medo do escuro. Todos essas observações são dadas com detalhes pelo viajante, que desde o primeiro dia já pensa hipóteses do que pode ter levado a humanidade àquele ponto: sua principal ideia era que os humanos evoluíram e controlaram a natureza num ponto que não havia mais dificuldades e, por isso, eles pararam de evoluir e passaram a involuir. Essa ideia segue muito o princípio de que a "necessidade é a mãe das invenções".
Mesmo com essas observações, várias coisas continuam intrigando o nosso protagonista, a exemplo da existência de diversos poços e de canais de ar ao longo do terreno e, principalmente, o fato da sua máquina do tempo ter sido deslocada- muito provavelmente não pelos Elois, que eram muito fracos- e escondida. Todos os dias, o Viajante fazia excursões a fim de entender melhor esse mundo e numa dessas vezes, por acaso, ele acabou salvando a vida de uma Eloi que ia sendo levada por uma corrente. Essa Eloi, Weena, tornou-se sua melhor amiga e companheira de viagem, acompanhando-o em todas as excursões.
Foi através dela que o Viajante notou o real medo que os Elois possuiam não apenas do escuro, como também dos poços espalhados pelo terreno. Então, numa noite, o Viajante percebeu a estranha presença de criaturas diferentes dos Elois e, ao investigar melhor, descobriu que os poços davam entrada a um espaço subterrâneo onde viviam, durante o dia, os Morlocks: uma outra espécie humanoide, sensível a luz, que aterrorizava os Elois.
Quando descobriu isso, várias teorias surgiram na cabeça do Viajante, que imaginou que os Morlocks provavelmente eram descendentes do proletariado e trabalhavam, pois, para os Elois- que seriam descendentes da aristocracia burguesa. Isso explicaria o porque os Elois nunca precisavam trabalhar nem produzir nada do que consumiam. Não obstante, essa teoria foi sendo negada conforme o protagonista foi entendendo mais das circunstâncias.
Um determinado dia, o Viajante decidiu entrar num dos poços a fim de entender como viviam os Morlocks e se eles tinham alguma relação com o sumiço de sua máquina do tempo. Essa é provavelmente uma das cenas mais aterrorizantes do livro, porque nela descobrimos que, na realidade, os Morlocks se alimentam da carne de Elois e, por isso, tentam a todo custo pegar e comer o narrador. É nesse momento que nós (e o narrador) nos tocamos que, na realidade, não são os Morlocks que trabalham para os Elois: os Elois são o "gado" dos Morlocks, e por isso são tratados tão bem. A própria descrição dos Morlocks também é muito horrorizante, ressaltando sempre sua pele branca e mole e suas unhas afiadas. Por sorte, o Viajante possuía fósforos em seu bolso e consegue sair vivo do poço, onde é recebido aos prantos por Weena, que lhe esperava ansiosa.
Por fim, a última aventura do Viajante nesse mundo ocorre nos arredores de um antigo museu, que abrigava vários objetos e máquinas que o Viajante achou poder ser útil para lutar contra os Morlock e recuperar sua máquina do tempo. Ele acaba encontrando armas, mais fósforos e alguns materiais inflamáveis. No entanto, ao sair do museu, já estava escurecendo, e o Viajante e Weena acabaram sendo pegos pelos Morlock, e novamente temos uma cena muito macabra que descreve uma luta violenta do narrador contra essas criaturas-zumbi. O Viajante consegue colocar fogo em parte do material que ele havia coletado, que acabou se espalhando para a floresta inteira e afastando os Morlock. Mesmo assim, Weena acabou sendo pega pelos Morlock, e muito provavelmente foi consumida na chama :(.
Voltando rapidamente ao local onde sua máquina do tempo havia sido escondida, o Viajante consegue, enfim, com o auxílio dos instrumentos que coletara no museu, abrir caminho para ela. Acontece que isso era, na realidade, uma armadilha dos Morlock para o Viajante, e quando ele se dá conta disso, rapidamente aciona a alavanca em direção ao futuro!
Finalmente o narrador estava livre das garras dos Morlock, mas, ao invés de estar voltando para o passado, ele avançava para o futuro, ansioso para saber o destino da terra. Ele percebe que os dias vão ficando cada vez mais escuros, e a terra vai se aproximando cada vez mais do sol, que vai formando um disco no horizonte. Ao parar a aproximadamente 3.000.000 de anos no futuro, não reconhece mais a presença de nenhum humanoide, apenas crustáceos e outros artrópodes gigantes. Depois de analisar esse futuro distante, silencioso e quase sem vida, o Viajante retorna no tempo, parando no mesmo momento e praticamente no mesmo local de onde saíra: com exceção de que se movera um pouco para o lado, que era o tanto que os Morlock haviam locomovido a máquina.
Ao terminar a história, seus amigos encontram-se pasmos, mas sem acreditar, mesmo com a presença de evidências como a própria máquina do tempo e algumas flores que Weena havia lhe dado. O narrador foi o que mais acreditara na história, tanto que voltou à casa do Viajante no dia seguinte. Entretanto, num determinado momento, quando o Viajante pediu que esperasse enquanto entrava em seu laboratório, o narrador escuta um grito e o Viajante e sua máquina simplesmente somem.
O Viajante estava desaparecido há três anos desde então....
Que desfecho! Antes de finalizar o narrador também afirma que ele guardou, para ele, as flores que o Viajante trouxera de sua viagem, dadas por Weena, como testemunho de que que "a gratidão e a ternura mútua sobreviverão no coração do homem". Confesso que achei bem clichê essa lição de moral, o desfecho ficaria melhor sem ela...
O livro em si acaba sendo um pouco arrastado, por ser muito introspectivo e não possuir diálogos, mas duas coisas fazem ele valer muito a pena: a formulação de hipóteses pelo viajante, que depois vão sendo comprovadas ou desconstruídas, e o desfecho! Entender como funciona a sociedade dos anos 800.000 também é muito interessante, pois a gente se sente tão perdido quanto o viajante quando ele começa suas descrições no local.
No geral, o livro é um pouco maçante, e fica bem macabro em alguns momentos, mas vale muito a pena e me fez pensar bastante sobre como pode ser o futuro da humanidade.