jota 22/01/2018Falta de ar...Antes deste Respiração Artificial, do escritor argentino Ricardo Piglia (1941-2017) eu havia lido apenas o movimentado Dinheiro Queimado, livro a que cheguei alguns anos passados, após ver o filme homônimo nele baseado. Não esperava algo parecido, claro: pensava numa história um pouco mais complicada, mas contada mais ou menos de modo tradicional, com início, meio e fim, mesmo que não necessariamente nessa ordem.
Ah, quanta surpresa e dificuldade para ler Respiração Artificial, narrativa que envolve a história argentina que nós, brasileiros, não conhecemos tão bem assim. Da mesma forma que também desconhecemos grande parte de sua literatura, pontuada por figuras conhecidas, como Borges, claro, mas igualmente por muitos outros autores que Piglia vai nos revelando ao longo dessas páginas.
Respiração Artificial tem tantos personagens, ou autorias, tantos meios utilizados na narração, tantos significados que o leitor precisa se esforçar para captar e entender tudo (ou parte do todo, por vezes) e assim usufruir completamente o texto. Ao final me pareceu que este é um dos livros perfeitos - outros seriam os de James Joyce, constantemente citado aqui - para a diversão de críticos e especialistas em literatura. Pois mais do que sobre algum personagem ou alguma história - e há várias delas curiosas - Piglia escreveu um livro sobre a própria literatura. Por essas páginas desfilam, aqui e ali, além de muitos escritores argentinos, autores do porte dos citados Joyce e Borges, igualmente Thomas Bernhard, Hemingway, Dickens etc. e alguns representativos pensadores ocidentais, como Kant e Descartes.
Mas ele valeu-se especialmente do escritor Franz Kafka para fazer o leitor mergulhar mais profundamente em Respiração Artificial. A história envolvendo o escritor tcheco (que escrevia em alemão) e Adolf Hitler, a apresentação de semelhanças entre algumas ideias do ditador e alguns escritos de Kafka é de fazer pensar muito, muito mesmo. Além disso, o que haveria em comum entre Discurso Sobre o Método, de Descartes e Minha Luta, do próprio Hitler? E poderíamos concordar com Paul Valery de que o próprio livro de Descartes (Discurso Sobre o Método) é o primeiro romance moderno? Pois, segundo ele, de acordo com outro personagem de Piglia, se trata de um monólogo onde, em vez de contar-se a história de uma paixão, narra-se a história de uma ideia. Mas não é só isso, não.
Então, muitas páginas depois do início - “Dá uma história? Se dá, começa há três anos.” -, eu me senti meio com falta de ar, meio perdido no meio de tantas pistas, ideias, personagens, histórias, inversões de foco etc. Mas ao mesmo tempo fui me sentindo recompensado pela leitura de um texto (ou de vários, depende) tão diferente daqueles que venho lendo ultimamente: obras como esta são sempre úteis para ventilar nossa mente, tirá-la da zona de conforto, abri-la para outras visões, outros relatos que não apenas aqueles que nos chegam tradicionalmente. E ao fechar Respiração Artificial, mesmo que muita coisa tenha ficado pelo meio do caminho, resta a certeza de que vale a pena conhecer outros livros de Ricardo Peglia, sem dúvida.
Lido entre 16 e 22/01/2018.