spoiler visualizarLelê 26/04/2021
Fantasia com alta dose de romance clichê
Eu sabia que devia ter escrito a resenha do primeiro livro antes de começar (e terminar) o segundo, mas a Ana soube unir os dois tão bem que, se você não tem a continuação em mãos no exato momento em que lê a última frase de Sob a luz da escuridão, pode se preparar para o surto. O segundo livro me apresentou uma evolução enorme na escrita, na história em si e nos personagens, e querendo ou não, saber disso vai afetar a forma como eu vejo o primeiro. Mas "Entre a luz e a escuridão" é resenha para outro dia. Prometo tentar não soltar nenhum spoiler e fingir, da melhor forma possível, que não estou fora de juízo para avaliar esse livro depois de conhecer o que há depois do fim. Então, vamos ao que interessa.
Sob a luz da escuridão é um livro que se encaixa nos gêneros distopia e fantasia, tendo um cenário pós-apocalíptico (que se passa após uma terceira e quarta guerras mundiais) em que vivem os chamados "metacromos", pessoas que adquiriram poderes com o contato com a radiação, e alguns poucos humanos que restaram. Confesso que me interessei mesmo pela história por um pequeno detalhe: Evan. Lendo a sinopse, sabemos que ele é um vampiro, líder da Área 4, onde se passa a maior parte da história, que se apaixonou pela nossa protagonista antes de ela ser pega pelo Instituto (um resquício da crueldade do ditador que levou a humanidade a guerra e que realizava experimentos nos metacromos) e ter sua memória apagada, se esquecendo não só de Evan como até mesmo de seu verdadeiro nome. É o tipo de romance que encontramos em "Como se fosse a primeira vez" e "Diário de uma paixão", mas certamente não é o que esperamos encontrar em um mundo caótico como o que nos é apresentado.
O quesito romance têm a acrescentar e a atrapalhar na história. Nosso vampiro é um típico badboy, com direito a jaqueta de couro, um maço de cigarros sempre por perto, uma moto e muita ousadia. O fato de ele ser tão clichê foi frustrante para mim, que esperava personagens mais complexos. Sua namorada, Jullie (que, é claro, tinha que ser loira, tinha que usar roupas provocativas e tinha que ser pintada como um mero objeto de distração) é quase esquecida em diversas cenas; Sam e Jazz não foram bem apresentados, já que mesmo quando eles eram os narradores, o foco era Lollipop e Evan. E a Lollipop... bem, ela é aquela durona que vai bater de frente com Evan, entrando no joguinho de amor e ódio que sempre está presente entre o badboy e a mocinha. Mas, apesar dos pesares, a história deles tem o diferencial de terem um "amor de outras vidas" que os conecta e faz toda a história fluir, e o fato de se tratar de um romance sobrenatural, então vamos relevar -afinal, um bom e velho clichê não faz mal pra ninguém.
O que eu quis dizer sobre o relacionamento de Evan e Lolli atrapalhar a história é justamente por ocupar a maior parte das páginas. Todos os conflitos, todas as decisões pareciam ser criados para construir esse romance, o que acabou ficando um pouco forçado. O cenário é pouco explorado, assim como os personagens, e muitos pontos que foram levantados na história poderiam ter sido melhor trabalhados, como, por exemplo, a luta por sobrevivência, que é presente apenas em poucos momentos. Esse primeiro livro retrata mais a evolução dos personagens, que aprendem a lidar não só com seus poderes como também com seus sentimentos -é um momento das meninas se conhecerem e reaprenderem a conviver com outras pessoas, depois de tanto tempo apenas com Chris, sem memória de algo além. O ponto é: para os amantes de romance como eu, esse não é um incômodo grande. Tem cenas lindas entre o casal principal, principalmente quando eles finalmente assumem que se gostam, e bons momentos entre os 4 amigos, que tem uma relação fraternal. Mas se você procura mais da fantasia, da distopia, eu aconselho: leia mesmo assim, tenha paciência, porque o segundo livro vai compensar, e pela brecha que foi deixada em suas últimas páginas, o último da trilogia promete.
ALERTA SPOILER!
A história da humanidade após as guerras também é contada em partes ao longo da história, embora também não seja aprofundada. Algo que me decepcionou bastante nela foi quando Evan conta que metacromos e vampiros sempre existiram, mas que a humanidade nunca acreditou neles. Eu entendi o motivo da Ana ter feito isso: poder levar Evan a existir em um passado mais distante do que até então era possível. Mas acho que ela errou a jogada. Ele poderia falar sobre o mundo de antes das guerras, antes de sua mutação, sem necessariamente ter visto tanto dele. A origem desses seres perdeu o sentido, na minha opinião.
Mais pro final do livro também conhecemos aspectos do vampiro que antes não nos foram apresentados. É quando, finalmente, vemos uma narração do ponto de vista dele, conhecemos sua vida no passado, a trágica história da sua família e como ele se sente, apesar da pose. Seus pais foram mortos por seu irmão mais velho recém transformado em vampiro, que bebeu o sangue deles. Seu outro irmão também foi transformado, assim como o próprio Evan.
Falando em últimas páginas, devo confessar que achei as de Sob a luz da escuridão um tanto confusas. Surge um problema: o clã liderado por Evan não confia mais nele, graças ao seu envolvimento com Lollipop (alguém que já foi Celena, uma matadora insensível, e que como Lollipop, matou um membro de seu clã num acesso de fúria) e uma "voz" de origem desconhecida que manipula essas pessoas, as pondo contra ele. De quem é a voz? Não sabemos. E o que Evan faz sobre isso? Vai embora e deixa Lolli, agora sua esposa, na liderança. Sim, a única que está causando insegurança nas pessoas agora se torna líder. Não acho que as escolhas do vampiro tenham feito sentido. Ele havia sido ameaçado por Eles. Seu clã estava em risco de acabar destruído. A desculpa que ele usa para ir é a de que precisa resolver tudo isso sozinho, em segredo. Não fica claro como ou para onde exatamente ele vai, e todos esses problemas que emergem no final da história trazem uma emoção, sim. Um desespero para saber como as coisas vão se resolver. Mas acho que essa parte poderia ter sido melhor explicada, trabalhada. A impressão que deu foi a de que foi feito as pressas. Seria pressa da autora ou dos personagens de dar um ponto final àquilo, de resolver tudo logo, mesmo que não fosse pela melhor saída? Eis a questão.
Para mais, acrescento que a escrita da Ana Beatriz é cativante, me fez entrar dentro da história e viver cada momento ali, com eles. Cada descrição formava uma imagem perfeita na minha mente e eu estava ansiosa pelo final, mas daquele jeito gostoso que você não quer parar de ler até terminar. Terminou? Acha que entendeu a fama dela de sádica? Ah, você ainda não viu nada.