Paulo Silas 22/01/2016Mais um escrito profundo, coeso e brilhante de Nietzsche. Ídolos são desmitificados e derrubados. As virtudes, a moral, o Estado e outras questões são observadas e analisadas sob outros vieses, tendo a árdua crítica do autor como consequência. Um livro para muitos e para poucos.
Na presente obra, o autor expõe os primeiros passos daquilo que viria a se tornar o seu filosofar com o martelo, vez que os questionamentos sobre as formas de se (tentar) compreender o mundo são realizados de maneira pontual, desenrolando-se o seu pensamento. É neste livro que há a contextualização da famosa e pouco compreendida afirmação polêmica do filósofo, a de que "Deus está morto", exposta em uma das anotações presentes na obra. Tal constatação é feita pelo homem louco, o qual sai às ruas berrando e procurando por Deus, sendo informado pelos ali presentes que Deus está morto e permanece morto, tendo sido "nós" que o matamos. As igrejas não passariam de mausoléus e catacumbas de seu corpo.
A leitura assídua, atenta e completa da filosofia de Nietzsche se faz necessária para que melhor possa ser compreendido o filósofo. Em "A Gaia Ciência" há o início (já bastante consolidado) da sua filosofia que pregaria pela transvaloração de todos os valores. A superação das amarras morais, anunciadas como virtudes, seria condição necessária para a superação da limitação imposta ao homem. A morte de Deus atestaria isso, já que a religião e seus ordenamentos seriam um dos fatores responsáveis pela restrição do pleno desenvolvimento do homem. Tendo-se ciência disso, da ausência de motivação idônea das amarras, dada a consciência neste sentido pelo homem, da sua "gaia ciência", a superação estaria evidenciada.
É neste livro também que Nietzsche traceja o conceito de "eterno retorno". As possibilidades do mundo são finitas, de modo que assim o sendo, tudo já aconteceu. Se o universo possuiu um objetivo, este já teria sido alcançado, de modo que tudo o que se vive é mera repetição do que já ocorreu diversas vezes. O bem e o mal, a alegria e a tristeza, a criação e a destruição: tudo vai e volta. Tudo se repete.
Dentre diversas outras anotações e constatações do autor, tem-se, por exemplo, certa crítica ao altruísmo, vez que tal modo de agir beneficia somente terceiros em detrimento do próprio homem - os elogios, inclusive, sempre estão presentes na boca de terceiros. A imediatez dos pensamentos e raciocínios céleres em demasia também sofrem críticas pelo autor, vez que na época em que o livro foi escrito a dinâmica muito célere do cotidiano já impedia o homem de conferir tempo necessário para o pensamento, para a reflexão, para a filosofia. A necessidade de punição também é atacada. Havendo dificuldade em se modificar o homem, não há razão para o intento da punição, da correção e da censura, que se traduzem em combate direto. O risco daquele que ama punir é se tornar mais sombrio que o admoestado. Antes, deve o homem elevar a si próprio num patamar mais alto, brilhando pelo exemplo e obscurecendo o outro com a própria luz. Ainda, a realidade (sua roupagem) é analisada por Nietzsche, o qual demonstra que o próprio homem é quem constrói e destrói o que entende por realidade, não passando tudo de mera nomeação das constatações que acabam sendo posteriormente superadas.
Um livro magnífico. Escrito ao estilo do próprio Nietzsche: anotações, versos, poemas, alegorias e aforismos, sempre estando presentes a crítica, a ironia e a destruição de verdades tidas como absolutas. Pouco foge do julgo do filósofo. Uma leitura que se faz necessária.
Recomendo!