Luiz 16/12/2023
A história da Inquisição não é como você achava
Livro: A Verdadeira História da Inquisição
Autor: Rino Cammilleri
Muito se fala sobre a Inquisição, sobre seu legado negro e terrível onde milhares ou milhões de pessoas morreram sob seu jugo, o quanto a Igreja Católica foi cruel perseguindo pessoas e levando-as a fogueira por acusações de bruxaria e feitiçaria, que a Igreja Católica se utilizou dela para impedir que a ciência avançasse na descoberta da verdade, conforme o caso de Galileu Galilei e Giordano Bruno, e até o como ela foi ruim até com seus próprios membros como o caso de Joana D'arc.
A história da Inquisição é tida como o "calcanhar de Aquiles" da Igreja Católica, e de fato é uma história complexa e cheia de detalhes, porém nada tão calunioso e deturpado quanto essas histórias de senso comum sobre o tema. Rino Cammilleri, jornalista italiano e católico, nos mostra que os estudos sobre a Inquisição nem sempre são honestos devido a sua influência protestante, ateia e iluminista, porém é possível trazer luz as fatos de forma simples e abrangente compreendendo as nuances históricas e procedimentais do santo ofício.
O autor não pretende esgotar todo o tema, mas esclarecer os principais pontos sobre o tema que em si já é bem complexo, e o autor nos apresenta os diferentes tipos de Inquisição que existiram, e como cada uma teve seu objetivo de investigação e dependeu do contexto de sua época.
1) Inquisição Medieval
Foi onde de fato surge o exercício da profissão, e que se estrutura toda a sua forma de funcionamento e leis que regiam o ofício.
Surge principalmente para combater a Heresia do Catarismo, que era uma espécie de Gnosticismo que pregava que os objetos sagrados não poderiam ser sagrados justamente por todo tipo de matéria ser corrompida, logo os cátaros tinham como motivação a destruição e subversão desse mundo material, em sua perspectiva a destruição do mundo material implicaria em uma libertação da matéria. Até aí não se vê algo tão danoso, mas o fato é que houveram muitos assassinatos (inclusive de mulheres grávidas) e pilhagens, como resultado muitas pessoas era vítimas dessas barbaridades, enquanto que por outro lado, alguns por iniciativa própria matavam os cataros ou fazia linchamentos públicos.
Com o intuito de trazer ordem a uma sociedade entregue ao caos, surge a Inquisição que tinha por objetivo investigar as denúncias de heresia, convocar o herege e então o inquirir sobre seu erro teológico. Uma vez o herege se redimindo do seu erro, ele era acolhido de volta ao seio da Igreja, enquanto que não renunciar aos seus erros, seu caso era passado para o poder político que o julgaria segundo os crimes que cometeu, sendo a pena máxima a morte na fogueira. No caso dele ser redimido, era simbolicamente queimado um boneco réplica da pessoa simbolizando o arrependimento, e assim, o ex-herege era reintegrado na sociedade, mas caso viesse a cometer heresia uma segunda vez, seria encaminhado como Relapso para o poder político que o sentenciaria.
Aqui já se encontram problemas, muitos historiadores não souberam diferenciar o números reais dos mortos com as "mortes simbólicas" ocorridas, implicando num exagero evidente nos números reais. A verdade também é que o tribunal da Santa Inquisição lançou as bases do Direito civil que conhecemos, os "investigados" tinham direito a testemunhas, a defensores, poderiam recorrer ao Papa em qualquer fase do processo, dentre muitos outros benefícios, que normalmente os detratores da Inquisição não sabem que existia. Outro fato é que a Inquisição não era tão rigorosa quanto se pensava, muitos leigos e cidadãos comuns preferiam resolver a sua maneira a situação pois nem sempre o herege era punido como se julgava que deveria ser; uma vez podendo recorrer ao Papa, muitos o faziam no intuito de delongar o processo, outros reclamavam da parcialidade do inquisidor que por vezes deveria ser chamado pra prestar contas em Roma, muitos inquisidores acumulavam funções civis, assim os processos nem sempre corriam como poderiam.
Isso mostra que o que se sabe, no senso comum, sobre a Inquisição é totalmente desprovido do que realmente acontecia. A grande massa não tem uma imagem completamente deturpada do processo inquisitorial, que caso não existisse muito provavelmente se teria cometido muitas barbaridades, a própria Inquisição foi responsável por trazer a possibilidade de um processo mais seguro de acusação. Muitos preferiam ser julgados pela Inquisição do que pelo poder civil.
2) Inquisição Espanhola e Portuguesa
Foram inquisições diferentes dos moldes medievais, isso se deve pela característica de que não era subordinada a Roma, mas era capitaneada pelos monarcas locais, ou seja, era uma Inquisição de Estado, e não propriamente Católica, pois não tinha jurisdição do Papa.
O motivo principal pra abertura do processo de Inquisição se deve a denúncias de falsos convertidos, na época existia um "espírito anti-semita" surgindo na Europa devido aos judeus, muitos judeus haviam se convertido ao Catolicismo e ao Islamismo, porém existiam acusações de judaizarem essas religiões, no caso do catolicismo, o convertido incorreria em heresia. O problema que existia todo uma classe judia em funções nobres na sociedade, e uma vez essas denúncias surgindo e conflitos entre muçulmanos, cristãos e judeus crescendo a Inquisição surgiu pra apurar esses fatos. Houveram diversos problemas políticos na instauração da Inquisição desde a sua abertura até o seu fim.
Particularmente achei complexo essa parte do livro e não consegui compreender as diversas nuances apresentadas pelo autor. Mas fato era que a partir disso, surge a chamada "Lenda Negra" uma pecha no processo inquisitorial inicialmente aberto na Espanha e depois estendido a Portugual. Essa lenda negra é muito atribuída a propagandas difamatórias de historiadores iluministas e protestantes. Outro fator complicador dessas inquisições é a questão judaica que a posteriori a Igreja foi acusada de antissemitismo, mesmo existindo documentos oficiais da Igreja que protegiam a liberdade do culto judaico, bem como a nomeação de inquisidores convertidos do judaísmo pra trazer maior lisura ao processo.
3) Inquisição Romana
Foi a Inquisição aberta no período da Reforma Protestante que angariou inúmeros hereges que se agrupavam aos reformadores protestantes. Fato curioso é que muitos reformadores retomaram idéias anteriormente postas por católicos condenados em heresia como Wycliffe e Huss, dentre muitos outros. Com o caso de Lutero tendo explodido e se espallhado como fogo, coube a Inquisição combater as Heresias propagadas pelos reformadores.
Enquanto ex-padres e ex-católicos se juntavam para combater a Igreja, Lutero encabeçava uma propaganda moralista contra o Papado, a época era de decadência moral generalizada, consequentemente isto entrou na Igreja, haviam denúncias graves de católicos e eclesiasticos moralmente errados, isso serviu de força pra Lutero que atacou muito a Igreja, ainda que entre os próprios protestantes houvessem suas desavenças. Houve uma verdadeira "queda de braço" entre Católicos e Protestantes.
Surgia também nessa época as denúncias de obscurantismo propaladas pelos protestantes, e denúncias de bruxaria, isso fez com que o esforço inquisitorial fosse enorme, ao passo que existia uma verdadeira "guerra civil" acontecendo entre Católicos e Protestantes, havia também uma massa desesperada relatando casos de bruxarias e ocultismo. A Inquisição se precisou elaborar o chamado "Índice" um catálogo de livros proibidos, mas que sempre estava desatualizado, que impedia e nortearam as pessoas para que reduzisse as lendas de bruxaria, que segundo as investigações da Igreja Católica não passavam de delírios e interpretações equivocadas.
4) Inquisição Protestante
É a Inquisição menos conhecida, o próprio nome "Inquisição" talvez não seja completamente adequado, mas cabe pelo fato de que uma vez a Reforma Protestante se espalhando e cada seita alegando ser verdadeira a sua forma de interpretação da Bíblia, os protestantes se acusavam mutuamente de heresia.
Um dos fatores políticos que difere o Catolicismo do Protestantismo é a questão do poder religioso e do Estado. No catolicismo existia uma separação entre poder religioso e civil, sendo o religioso um poder acima do político e por vezes moderador de conflitos entre Estados, já o Protestantismo para se separar do Catolicismo precisou se aliar ao poder político, assim suas inquisições tiveram um caráter misto tanto de poder político quanto de poder religioso.
Na Alemanha de Lutero, o a "Inquisição" se ocupou de silenciar revoltas camponesas, episódio trágico, dentre muitos, que mancha a história do reformador, além de suprimir e perseguir os Anabatistas; uma vez o luteranismo se tornando a religião oficial do estado, qualquer um que não seguisse a nova doutrina era passível de heresia e deveria ser corrigido.
Em Genebra, cidade onde o Presbiterianismo de Zuiglio e Calvino se tornou a base de toda a lei, se tornou um verdadeiro Estado Teocrático; as pessoas eram constantemente vigiadas para se verificar se não cometiam pecados, uma espécie de "Polícia das Almas", pecadores eram punidos de forma extrema, seja por decapitação ou fogueira; enquanto os casos de bruxaria se espalhavam pela Europa, em Genebra, Calvino mandava queimar e torrurar pessoas acusadas de Bruxaria.
Na Inglaterra de Henrique VIII e seus descendentes, católicos eram perseguidos, o que posteriormente resultou numa revolta em que cerca de 70 mil pessoas haviam sido mortas, houveram conflitos entre Anglicanos, Católicos, Presbiterianos, Puritanos e Congregacionalistas.
Na Holanda onde os Anabatistas havia se estabelecido após desavenças contra os Luteranos e Presbiterianos, resultando em mortes e excomunhões, talvez tenha sido o pior e mais louco episódio da história do cristianismo, se estabeleceu um Estado teocrático aos moldes de Genebra, ficou conhecido como a Rebelião de Münster. O autor separa um capítulo para explicar toda a situação, e realmente é bizarro tudo que acontece, existiu um reformador que acreditava ser o Rei Davi e outro que se dizia Enoch.
De forma encobrir tais acontecimentos surge a tal "Lenda Negra" uma vez que diversos historiadores de viés Protestante e Iluminista propagam sua visões sobre tais acontecimentos no intuito de detratar a Igreja Católica.
É de se admirar que geralmente quando se fala em "Inquisição" não tenhamos distinguido em nosso imaginário esses tipos de Inquisição, e normalmente colocando tudo na conta da Igreja Católica. Casos como o de Joana D'arc, Giordano Bruno, Galileu Galilei e outros são mencionados no livro também, assim como outros diversos casos.
Como disse, é um livro que não pretende esgotar o tema, mas introduz muito bem sobre ele e nos alerta para algumas das nuances da época e dos seus contextos, traz revelações chocantes em diversos níveis. Mas recomendo também a busca de outras fontes sobre o tema pra complementar a investigação sobre o assunto.
Um ponto negativo que considero relevante é a exposição sobre a Inquisição Espanhola e Portuguesa, acredito ficou um pouco confuso toda a explicação, acho que poderia ter sido melhor explicada, fora isso não vejo outros pontos muito relevantes de crítica.