Sara.Ferreira 15/02/2019
QUE MULHER FOI MARGUERITE DURAS
Duras tem aquela coisa que não consigo explicar. Em quase tudo que li sobre a obra dela, prefácios, artigos, etc; o que encontrei foi essa mesma descrição da essência de sua obra: não é completamente autobiográfica, não é totalmente fictícia. Em A Dor, livro dividido em cinco contos, parece organizar suas partes em subjetividade crescente. Começa contando sobre a dor da espera, prosseguindo com três contos que parecem contar mais sobre sua vida na política, passado o período mórbido da não-volta do marido; e termina com mais dois contos cujo caráter literário não sei descrever, mas que são mais ficcionais; a própria autora aponta: "Foi inventado. É literatura.".
Quando falo sobre subjetividade crescente, quero dizer que Duras aos poucos se retira de cena. Passa a ser menos introspectiva depois do primeiro conto, fala mais sobre o que acontece ao seu redor, narra os fatos mais objetivamente; depois altera seu nome, nos últimos dois contos que envolvem sua relação com o Movimento. E, por fim, nos últimos dois, desaparece. Conta pequenas duas histórias em que fica difícil de encontrá-la. Ela está ali, o tom de suas palavras é perceptível uma atenção, concentração, ou até sonolência. Mas uma que me chama atenção, é que em todos, mas nos últimos dois contos particularmente, Duras faz arquétipos do que quer dizer, os personifica. A autora de guerra, do medo da guerra, da resistência, da ideologia do inimigo, da espera, da desconfiança, da previsão do caos, do nascer no caos, da ideia da morte, da morte escancarada, da vingança. Nunca escreve superficialmente sobre um indivíduo, nem sobre as pessoas que passaram por sua vida, nem os personagens que inventara, não importando se eram seus inimigos ou seus aliados. É só no mínimo impressionante a forma tão humana na qual ela aborda todas essas questões, nesse contexto tão específico que foi a Segunda Guerra. Um evento dessa magnitude tem tantas camadas que nas mãos erradas fica pouco palpável a realidade, muito distante, mas Duras não escreve nada com superficialidade. E por mais que relatos de guerra dificilmente não nos emocionem, ou não nos toquem, nenhuma abordagem jamais me fez sentir o nó da garganta que senti lendo este. Não derramei uma lágrima sequer durante a leitura, mas senti o maior horror do mundo, o aperto dilacerante da guerra como se fosse meu.
Que mulher foi Marguerite Duras, sabe? Nem fez biografia própria, nem escreveu ficção. Misturou tudo e criou verdade.