A Decadência do Ocidente

A Decadência do Ocidente Oswald Spengler




Resenhas - A Decadência do Ocidente


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Augusto 23/06/2013

Oswald Spengler: um enigma histórico-intelectual no século XX

Por Augusto Patrini

Guto.patrini@gmail.com

O filósofo, matemático e historiador alemão Oswald Arnold Gottfried Spengler é hoje quase um desconhecido, mesmo entre filósofos e historiadores. No entanto, no começo do século XX, no entre-guerras, foi um fenômeno filosófico e editorial. Responsável por uma interpretação original da história e da civilização ocidental, para o público alemão, ele parecia ter profetizado em A Decadência do Ocidente o ambiente sociocultural de crise da época.
Escrito antes da 1ª Guerra, mesclando o pensamento de Nietzsche a metodologia de Goethe, sua obra mais importante, “A Decadência do Ocidente” (Der Untergang des Abendlandes) - 1918-1922 - foi um sucesso editorial, na Alemanha da República de Wainer. Por causa da derrota alemã em 1918 na 1ª Guerra Mundial, o “espírito do tempo” (Zeitgeist) pessimista ou cético parecia corroborar com muitas de suas interpretações.
Mas seu ostracismo atual pode ser atribuído, talvez, à adoção de algumas suas ideias pelo movimento nacional-socialista, especialmente aquelas contidas em seus livros políticos subsequentes. Mesmo que Spengler não tendo demonstrado em vida simpatia explicita pelo nazismo, e ter tido seus livros proibidos pelo 3º Reich, um forte preconceito ainda persiste, marcando-o com o rótulo de nazista. Nos anos que se seguiram a 2ª Guerra Mundial, sua obra foi, mesmo assim, referência marcante para intelectuais de peso tais como o historiador Arnold Toynbee e André Malraux e sua filosofia da arte.
Spengler nasceu em 1880 em Blankenburg, Alemanha. Estudou matemática, artes, história e filosofia em Munique e Berlim. Foi professor de matemática em Saarbrücken, Düsseldorf e Hambourg e escreveu trabalhos acadêmicos filosóficos sobre Heráclito de Éfeso . Em 1911 passou a viver como professor particular e dedicou-se ao estudo da História e a elaboração de sua obra mais importante.
A Decadência do Ocidente (1918/22) , é um intricado ensaio histórico. Reúne em ao mesmo tempo as áreas econômica, política, matemática, artística e cultural, para debatê-las sob uma ótica histórica e comparada. O livro é a aplicação para o domínio histórico e cultural do método “morfológico” elaborado originalmente por Goethe para as Ciências Naturais. Essa metodologia consistia em derivar os fenômenos a partir de um fenômeno primitivo único. Esse procedimento assume um aspecto frutífero ao considerar como fundamental o caráter histórico das Culturas, Civilizações e do Mundo.

Teoria da História Comparativa

Spengler defendeu uma visão cíclica da História e das Culturas, uma História sem qualquer “sentido” ou direção. Essa visão assume ares controversos quando faz em, seu livro analogias e comparações entre as diversas culturas do mundo de diferentes épocas, e defende que estas não se relacionam e são completamente independentes uma das outras. Em sua “História Universal” identifica oito culturas (clássica ou antiga, egípcia, mexicana - asteca e maia, chinesa, indiana, árabe ou mágica, babilônica e finalmente ocidental) , todas elas, em maior ou menor grau, com períodos de nascimento, florescimento e morte. Retoma também uma polêmica profundamente presente no debate intelectual alemão , marcando a oposição entre Cultura (Kultur) e Civilização (Zivilisation). Cultura, termo associado ao nascimento, a criação, a vida e Civilização é o termo associado à expansão, ao utilitarismo, à urbanidade, ao declínio e à morte (ecletismo, vazio e ceticismo). O conceito de cultura, assim como em vários pensadores da época, é associado aos alemães enquanto civilização diz respeito às sociedades anglo-francesas.
Sua interpretação da História da humanidade foi extremamente popular no começo do século XX. Ela afirmava que as etapas da História humana eram marcadas idades ou fazes históricas bem distinguidas. Estas foram definidas por Spengler como: 1) A Mola: caracterizada ela Intuição, criação cultural e identitária poderosa, criatividade, unidade e abundância. 2) O Verão: caracterizado pelo amadurecimento; distinguido pela sociedade urbano-civil mais adiantada e pelo pensamento crítico. 3) O Outono: caracterizado pela ascensão urbana, e pelo ponto elevado da força organizacional disciplinada. 4) O Inverno: trata-se aqui do enfraquecimento crescente na Civilização mundo-urbana, e exaustão da força mental, além da ascensão de Irreligiosidade.
Ao abordar a história, a técnica e a arte destas culturas, Spengler estabeleceu também uma oposição entre dois conceitos em sua teoria determinantes: apolíneo e fáustico. O primeiro adjetiva as coisas com uma concepção ética e estética do mundo e das coisas, enquanto o segundo refere-se a uma compreensão imanente, instrumental e aética das coisas pensadas e criadas pelo Homem.
Mesmo que sua percepção da história seja freqüentemente associada ao mundo biológico, sua hierarquização das Culturas e períodos históricos é baseada em termos fundamentalmente culturais e não, como os nazistas o compreendiam, em termos biogenéticos. Sua filosofia da história por seu caráter cíclico assemelha-se, de alguma forma, àquela de Vico e pode ser entendida como vitalista . Poucos interpretes, no entanto entenderam que para o autor a decadência não é vista em termos pessimistas, mas apenas como uma dissolução necessária para uma transformação.

Interpretações das ideias spenglerianas

Para Patrick Gardiner, Spengler poderia ser aproximado a Croce por um tipo de idealismo, já que em seu livro “o assunto da história, (...), compreende ‘o que acontece’ em contraste com ‘o acontecido’; tudo é fluxo, desenvolvimento, variedade, particularidade, vida; imaginar que ela pode interpretar em termos de fórmulas quantitativas, ou arquitectar com um sistema quase mecânico é, conseqüentemente, absurdo.” Ou seja, para Spengler a história exige um modo próprio de interpretação, chamado por ele de ‘fisionômico’ assumindo uma forma ‘inata e criadora’. Neste ponto, há implícita a antiga e polêmica pergunta sobre o estatuto da história: “arte ou ciência?”. Para Spengler provavelmente a história seria uma ciência artística ou intuitiva.
As ideias spenglerianas, todavia, assumem uma importância maior no momento em que inauguram, para os estudiosos da teoria da história, uma interessante metodologia comparativa . Spengler é considerado ainda hoje como precursor da história comparada. O fato é que as teorias históricas de “A Decadência do Ocidente”, em parte obliteradas por preconceitos ainda são pouco compreendidas, lidas e estudadas. Sobre Spengler, o historiador francês Jacques Le Goff afirma em seu livro “História e Memória”:
“Spengler reclama-se discípulo de dois grandes mestres, Goethe e Nietzsche, e afirma que pede o método ao primeiro enquanto o segundo fica a dever a maneira de colocar os problemas. A história que procura é uma história faustiana , uma história do “Sturm und Drang”, do “morre e devém” (stirb und werde), da “morte e transfiguração”. Spengler situa-se numa posição de vitalismo exacerbado, para quem morrer é ainda viver até o fim. Torna-se evidente que a noção de decadência é também de competência dos psicanalistas.”
Alguns autores, como Guy Bourdé e Hervé Martin associam o método spengleriano a um tipo precursor de estruturalismo, pois que uma das postulações iniciais “a ciência não é universal”, e que a humanidade “divide-se” em blocos culturais independentes.
Como pode ser talvez facilmente percebido existe algo de irracional nas teorias de Spengler. A compreensão da História somente é apreendida, segundo o autor, por meio da “intuição”. No entanto, ele não deixa claro como acontece esse processo intuitivo. É importante notar, que sua concepção de Cultura é radicalmente historicista, uma vez que é determinada pelo destino” e profundamente marcada pela História em seu ciclo de vida e morte. Para ele, é somente a realidade histórica que forma uma cultura ou civilização.
Essa percepção radicalmente historicista das Culturas, assim como o método analógico comparativo usado para analisá-las parece ser as principais contribuições da reflexão de Spengler em Teoria da História. Além disso, o livro A Decadência do Ocidente é fonte preciosa de erudição histórica, quase incomparável. Do mesmo modo, pode-se afirmar que o estilo vibrante, metafórico e, poderoso de seu texto pode ser fonte rara e exemplar de prazer histórico-filosófico.
De acordo com W. Waismann : “Doutrinariamente A Decadência do Ocidente contêm um número considerável de visões acertadas: a angústia ou terror cósmico como sentimento primário do Homem, e a conjuração do numinoso, de onde resulta que a religião é a primeira forma de saber e a ciência a última; a oposição entre sujeição e liberdade, cosmos e microcosmos ou existência e vigília; os fenômenos não como objetos, e sim como símbolos, como expressão de um temperamento ou índole interna de uma alma – a ciência mesma como um símbolo a mais – e a não subordinação de uns fenômenos a outros; a oposição entre verdades e fatos; a história universal que não se converte em história da humanidade etc.” Para Waismann, Spengler estabelece na modernidade um relativismo comparativo, uma forma radical de ceticismo ocidental histórico, importante para que reconheçamos o quão difícil é entender os fenômenos históricos.

Hermínio Martins, em Tecnologia, Modernidade e Política; lembra-nos que:
“Para Spengler. O indivíduo histórico relevante é a cultura ocidental ou fáustica que emerge cerca de 900 depois de Cristo e que implica uma grande quebra de continuidade com as fases anteriores do pensamento sistemático, da matemática, da metafísica, da técnica (incluindo mudanças drásticas nas instituições de tempo, de espaço, de número etc.) A importância desta tese apenas pode ser apreciada se tivermos em conta que essa “morfologia da cultura” foi uma das expressões da grande dicotomia assimétrica entre “cultura” e “civilização” que impregnou o pensamento germânico durante várias décadas e que estabeleceu os termos de referência das mais importantes discussões da filosofia da técnica durante a época de Weimer.”
Martins lembra-nos que o livro de Spengler é a primeira formulação geral da ciência dentro de uma visão histórica. Sua influência não se deveu tanto a tentativa de “totalizar” a história mundial, mas de oferecer aos alemães da época um diagnóstico da grave crise conjuntural. “Spengler defendeu que a incomensurabilidade de culturas não impedia a respectiva comparabilidade e, no seu poema em prosa wagneriano (tal como foi descrita a sua obra-prima por alguns críticos), chegou mesmo a apresentar certos processos de comparação transcultural (analogia, homologia, paralelismo, sincronidade, etc., encontram-se entre as categorias formais da sua ”morfologia cultural”).
Já o mundo anglo-saxão viu a obra de Spengler de forma bastante crítica, A Decadência do ocidente foi algumas vezes vista como “uma das mais bizarras exibições na galeria de horrores intelectual que dá pelo nome de filosofia especulativa ou metafísica da história.”
Collingwoood, por exemplo, é bastante crítico da obra. Em A ideia de História , define-a como insensata, determinista, positivista, e conceitualmente ahistórica. Ele diz: “A história propriamente dita é substituída por uma morfologia da história, por uma ciência naturalista, cujo valor consiste na análise externa, no estabelecimento de leis gerais, e (o que é índice decisivo dum pensamento não histórico) a pretensão de predizer o futuro, segundos princípios científicos.” Mesmo compreendendo bem a obra de Spengler, Collingwood parece desconsiderar a época e o contexto em que essa foi escrita, fazendo uma crítica de natureza essencialmente internalista do texto, sem considerar os aspectos metodológicos inovadores. Sua critica parece ser aquela de um teórico da história e não aquela de um historiador.

Conclusão Parcial

Por seu caráter polêmico, A Decadência do Ocidente foi interpretada, desde sua publicação, de muitas maneiras, muitas vezes de formas contrarias e ambíguas. Muito da dificuldade em compreender esta obra decorre da forma barroca como seu texto foi construído, e da “enorme massa” de erudição histórica aí contida, mas também da forma somente internalista ou externalista destas críticas. É preciso, então, fazer uma análise-crítica desta obra, apreciando seus pontos inovadores e potencialmente enriquecedores, e, sobretudo considerando seu texto em seus aspectos interno e externo. É preciso considerar o ambiente político e cultural, e, principalmente histórico em que foi escrita, assim como os diálogos intelectuais de seu autor.


@rafadantashistorart 12/07/2016minha estante
Gostei da análise Augusto.




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