Jow 20/12/2011I'm just a broken hearted man!“[…]
I know it makes no sense but what else can I do
How can I move on when I'm still in love with you
Cause If one day you wake up and find your missing me
and your heart starts to wonder where on this earth I could be
Thinkin maybe you'll come back here to the place that we'd meet
And you'll see me waiting for you on the corner of the street
So I'm not moving, I'm not moving.”
The Man Who Can’t be Moved – The Script
Tem coisas que a vida não pode explicar, a ciência não consegue entender, e as palavras não conseguem expressar. Dentre essas coisas, talvez o amor tenha ganhado o maior destaque entre todas as esferas que buscam um entendimento, uma razão para todas as complexidades que atingem o ser humano. O amor é o sentimento mais debatido, incentivado e celebrado entre os homens, e mesmo assim porque é tão difícil enumerar suas probabilidades e entender as suas possibilidades? Simples! O amor não consegue se satisfazer afetando apenas uma única pessoa, o amor necessita de uma resposta de algo que o satisfaça, de alguém que o alimente. E no momento que esse elo natural é interrompido, não correspondido, o amor volta-se para o coração que o carrega, sugando dessa vida as suas vontades e desejos, e deixando um rastro destrutivo que só um “novo” amor pode curar. Independente de todas as abstrações que um ser humano possa fazer, no fim de tudo, o amor ainda estará lá, guardado, paciente, etéreo, faminto, louco... Devastador.
Na devastadora história contada com uma narrativa perfeita, é preciso se afundar na história de Ricardo Somocurcio, um peruano que praticamente viveu toda sua vida adulta em Paris. Tradutor e intérprete de inglês, espanhol e russo da Unesco, desde a adolescência esteve às voltas com a menina má, uma mulher mesquinha, egoísta, manipuladora, que entra e sai de sua vida de forma brusca e dolorosa. Ela é o centro da vida de Ricardo e do livro Travessuras da menina má, de Mario Vargas Llosa, o Nobel de Literatura de 2010.
A menina má é uma figura difusa, as constantes trocas de nomes e personalidades parecem fazer dela um ser imaginário, como se fosse uma criação da mente obsessiva de Ricardo. Mas ele não é louco, apenas um “coisinha à toa” apaixonado. Desde a juventude no bairro de Miraflores, em Lima, se viu preso pela força da personalidade e pelo físico diminuto, olhos cor de mel e cabelos negros da tal chilenita. Uma atração inexplicável, já que suas mentiras eram constantes, assim como a infidelidade. Mas apesar do desprezo despendido a Ricardo, a menina má sempre retorna, pronta para ouvir as “breguices” que o peruano tem para lhe dizer. E assim o romance anda pelas principais capitais do mundo, Paris, Londres, Tóquio, Madri, narrando os encontros inesperados de Ricardo com sua menina má, os momentos de paixão aterradora até um novo abandono traumático.
Entre as idas e vindas dessa mulher, o narrador/protagonista desenlaça sua vida, fala da dedicação ao trabalho, o afeto dos amigos, que também vêm e vão praticamente com a mesma frequência que a chilenita entra e sai de sua vida. E entre esses relatos, a história política do Peru se contextualiza através das cartas de seus tios que lá permaneceram, que relatam de forma fragmentada e resumida o segundo golpe militar vivido no país, a insatisfação da população com os rumos que seus governantes lhe deram – e que marca a mudança da visão política do autor – e, claro, um panorama também da própria Europa por onde Ricardo transita entre os anos 60 e final da década de 1980. O romance de Vargas Llosa, por vezes, parece ser um círculo vicioso, um aviso ao leitor de que as travessuras da menina má vão se repetir interminavelmente, assim como os sofrimentos do protagonista. Porém, junto com uma nova onda de amor vivida por Ricardo vem um novo mistério da menina a ser desvendado.
Apesar de o romance retratar um longo período da vida das personagens, o tempo parece não passar por eles. Por mais que suas idades sejam constantemente repetidas, que os problemas de saúde sejam aos poucos colocados em cena, mostrando a decadência física tanto de Ricardo quanto da mulher, a relação de ambos, quando juntos, fazem deles dois jovens. Ele, entorpecido como um adolescente pela menina mais bonita da cidade. Ela, inconseqüente como uma garota que não sabe os sofrimentos que suas escolhas podem lhe causar. Até o fim, a imagem que permanece é dos dois jovens, por mais que a vida de ambos estivessem mutiladas por desilusões amorosas ou sofrimentos físicos.
Ricardo pode parecer um homem fraco durante todo o livro, que por mais que resista às voltas da menina má, nunca foi capaz de esquecê-la ou rejeitá-la. Mas nessa trama o fraco é, na verdade, a própria menina. Na forma com que pede para que Ricardo diga que a ama, no jeito que desdenha das declarações que recebe ela mostra a própria necessidade de ser adorada e bem tratada, uma necessidade acima do dinheiro, o que procurou em todos os seus outros maridos e amantes. É nos momentos em que Ricardo parece resistir ao desejo que ela mais fraqueja, implora pelos seus cuidados e dedicação.
O livro de Mario Vargas Llosa faz o leitor mergulhar na relação entre o protagonista e essa menina sem escrúpulos, o faz se sentir como o próprio Ricardo, enganado pelas mentiras que ela conta, mas esperançoso de que ela, um dia, aceite a modéstia de sua vidinha em Paris. Travessuras da menina má, no enredo, na escrita e no aprofundamento da trama, é um livro que prende o leitor até a última página no sofrimento de seu protagonista e nas mudanças que a América Latina e a Europa vivenciavam durante o transcorrer da história. Um livro do tamanho da fama de seu autor, e que tenta até o fim nos fazer acreditar que por mais que o mundo mude, que as pessoas também mudem, o amor que as rege nesse mundo continua ali, imenso, travesso e eterno.