Dai @veraaode92 07/02/2019Após viver um episódio traumático com um longo período de recuperação, Cassandra e sua mãe voltam para o Rio de Janeiro, tentando uma nova vida. As duas ainda estão se adaptando à nova rotina enquanto as manifestações na cidade contra a Alcorp, uma corporação que dominou o Rio de Janeiro e está subindo os preços de todos os produtos no mercado, estão acontecendo.
É feriado de Carnaval, Sam e sua mãe estão trancadas no trânsito esperando um desfile passar, que parece demorar décadas. Sam então prefere ir a pé, já que é tão perto de sua casa nova e nada pode acontecer em tão pouco tempo. Mas ela está enganada, quando chega na portaria do seu prédio, uma manifestação parece vir bem na sua direção.
“- Não vai acontecer nada comigo – ela disse, escaneando a multidão em fuga cada vez mais densa.
Eu já havia ouvido aquelas palavras da minha própria boca. Logo antes de aprender da forma mais dolorosa possível que ninguém é invencível.
Você nunca sabe quando o azar vai te pegar.”
Uma senhora que está esperando junto com ela pelo porteiro, que sumiu justo neste momento, acaba intervindo em uma briga entre uma garota e um manifestante que se aproveitou do momento para atacar a jovem, porém a senhora acaba levando um tiro. Sem pensar, Sam corre para ajudá-la, e ao encostar na mulher uma corrente elétrica queima seu corpo todo e ela é jogada para trás.
Cecília diz ser uma mensageira da sorte que trabalha para o DCS (DEPARTAMENTO DE CORREÇÃO DA SORTE), onde ela recebe um presságio e precisa entregá-los aos destinatários, balanceando os desníveis de sorte a azar dos humanos na balança da justiça. Ao receber a corrente elétrica, Sam passa a assumir o trabalho de Cecília, e o primeiro destinatário é Leandro, um youtuber em ascensão.
Desde que vi o lançamento, acreditava se tratar de uma fantasia. Tanto a edição de capa e o título nos fazem acreditar nisso, mas, com apenas um toque de fantasia, o livro é um grande relato do problema brasileiro. A força de quem tem poder de fazer o que quiser com o povo, que vive para trabalhar para um governo altamente corrupto.
A criação da corporação Alcorp pela autora mostra claramente como estamos vivendo, e as manifestações sendo reflexos de tanto abuso no poder. Pessoas usando as manifestações como desculpa para cometer crimes, e a polícia partindo para cima de todos, sem distinção do pacífico e não pacífico. É realmente o que temos visto muito por aqui. Claramente a autora se inspirou nos recentes conflitos que vem acontecendo no Brasil, que levam ano após ano mais pessoas às ruas.
Com uma leitura fluída e uma escrita bastante sarcástica, Fernanda Nia foi bastante ousada em pôr no papel a realidade de uma sociedade que implora por mudanças. E falo isso de uma forma super positiva, parabenizando-a por seu excelente trabalho, pois Mensageira da Sorte é sim uma obra brasileira muito bem escrita, que merece ser lida e aclamada.
O foco do livro são as manifestações em busca de melhorias em uma sociedade que já não aguenta mais os preços sempre subindo no mercado, mas esse foco abre outros temas como a morte e o luto. Tanto o Leandro como a Sam confrontam o luto de seus entes queridos, e carregam consigo a culpa pela morte deles. Primeiramente em caminhos separados, para depois juntos, eles enfrentam uma longa jornada de superação e aceitação.
Outro tópico que fica bastante em alta e que é sempre muito importante é a família e as diversas versões em que a encontramos. Às vezes é o sangue, mas em outros momentos o apoio que você recebe de fora é tão importante quanto e ajuda a compreender que certas coisas tem que valer mais. Pra esse tópico, ambas as relações familiares e também a presença de uma outra personagem no núcleo central, ajudam a dar o tom e a transparecer esses conflitos de forma mais clara.
“Às vezes, pessoas que gostamos vão embora da nossa vida. É normal chorarmos a sua perda, mas devemos lembrar que, assim como elas nos deixam, outras sempre aparecem mais adiante para nos acompanhar. Pode não ser a mesma coisa, já que nenhuma alma é perfeitamente substituível ao coração, mas é sempre reconfortante saber que, não importa o que aconteça, não precisamos seguir pelo nosso caminho sozinhos. E que quando você cair, em algum lugar sempre vai haver uma mão te oferecendo ajuda para levantar de novo.
Sim, eu sei. Alguns tropeções são piores do que os outros. E tem uns que você mesmo precisa se erguer sozinho. Mas sempre, sempre vai haver um jeito de se levantar.”
Ao cruzarem seus caminhos, é claro que teremos romance entre nossos personagens, e talvez isso tenha se tornado um ponto negativo para mim mais no final da leitura, porém, em momento algum a trama deixou de ser grandiosa e passar sua mensagem. O que fica aqui é bem claro, precisamos seguir lutando, seja por mudanças, seja por sobrevivência, por superação, por amor, por um futuro melhor.
Eu apenas senti falta de um “depois”. Temos manifestações acontecendo o tempo todo, mas não temos uma conclusão de como as coisas ficaram depois da “última” manifestação. Por um lado isso pode ser uma brecha para um segundo volume, que com certeza vou adorar conferir, por outro acho que é uma mania dos autores em não dar visão de futuro e findar suas histórias apenas no fim do conflito principal, quando bem sabemos que o que acontece dali pra frente acaba sendo tão importante quanto o enredo principal, especialmente para quem tem que juntar os cacos.
Portanto, se você pegar esse livro na mão e achar só pela capa e pelo título de que ele é mais um igual a outros, não se engane, essa história tem muito para te contar, e garanto que vale a pena cada página. E, apesar da capa super fofa, temos também muito assunto sério, em uma linguagem simples que conversa bem tanto com jovens como com adultos.
site:
http://resenhandosonhos.com/mensageira-da-sorte-fernanda-nia/