Queria Estar Lendo 10/03/2019
Resenha: Mensageira da Sorte
Mensageira da Sorte é o mais recente lançamento da autora Fernanda Nia - também conhecida pela série Como Eu Realmente. Publicado pela Plataforma21, o livro explora um universo extranatural dentro da nossa realidade; nesse universo, a sorte e o azar são quase dados em um tabuleiro. Através dos mensageiros, eles são um guia para um futuro grandioso ou desastroso - depende do que a pessoa decidir.
Na trama, acompanhamos Cassandra - Sam, como prefere ser chamada. Ela se mudou para Lagoinha, um bairro teoricamente pacato do Rio de Janeiro, para recomeçar a vida com a mãe. Alguma coisa muito ruim aconteceu com a garota há um tempo e tudo que Sam quer é seguir sua vida longe das memórias que envolvem essa tragédia.
Não vai ser tão simples. Não quando o Rio de Janeiro é palco de uma sequência de protestos poderosos contra a AlCorp, uma corporação multimilionária que vem causando caos no mercado com seus preços absurdos. Num desses protestos, o destino coloca Sam no caminho de uma Mensageira da Sorte - e a garota acaba por se tornar uma estagiária do Departamento, só por algumas semanas, até tudo se estabilizar. Essas semanas vão aproximá-la do extranatural e dos protestos e da ideia de que estabilidade não tem nada a ver com o novo emprego.
"- Dizer a verdade é um trabalho perigoso. Mas alguém tem que fazê-lo."
Mensageira da Sorte é o tipo de Fantasia Urbana perfeita para divertir e para elucidar grandes problemáticas que a gente vive na atualidade, como as melhores histórias nessa temática conseguem transmitir.
A voz da Sam é bem sarcástica e cheia de monólogos internos hilários. Ela é o tipo de protagonista que te conquista logo nos primeiros capítulos, o que gera aquela sensação empática que faz com que você queira que tudo dê certo. E a situação tá bem feia pra menina Sam, veja bem. Não só por causa do caos que está rolando no Rio de Janeiro, mas também pelo trauma que ela carrega. Um lembrete sombrio do que a violência e a opressão são capazes de fazer com uma pessoa; do quanto algo tirado de você em um segundo fica na sua memória para sempre.
"- Esse look todo era pra impressionar a minha mãe? Ou você foi passar um Dia de Princesa com o Netinho?"
Eu gostei do equilíbrio entre os dois lados da narrativa dela. Sam é madura e engraçada acima de tudo, mas bastante covarde por causa da tragédia. Seu arco de evolução envolve muito entender seus medos e suas fragilidades e encontrar, nela mesma, a saída para isso. Sam sabe que o trauma pesa em suas ações e começa a se determinar para mudar isso. Afinal de contas, como Mensageira da Sorte ela ganha várias responsabilidades.
E que universo fantástico que a Fernanda criou! Queria, inclusive, deixar uma reclamação na sessão de atendimento do Departamento de Correção de Sorte porque o tanto de azar caindo na minha cabeça nos últimos meses tá muito desequilibrado, quero reembolso!
A questão com a sorte e o azar e como os presságios são entregues é muito genial. É o tipo de mundo mágico muito crível, com toda a sua burocracia e problemas e sistema chato; Sam cai dentro dele de cabeça e toda a perdição até ela realmente se acostumar com o que significa entregar as mensagens é muito divertido de acompanhar.
"- Eu entendo que é difícil controlar a frustração às vezes, Sam. Mas temos que reconhecer que o mundo não é justo. É por isso que o DCS existe. Para consertá-lo. Para cada mensagem que você entrega a um necessitado, ele fica um pouquinho melhor do que era antes. Esse é o nosso foco. Esse é o nosso papel."
Em relação aos personagens secundários, a relação da Sam com a sua mãe é bem pautada e trabalhada, com toda a questão do que elas vivenciaram e como isso influencia a mudança e suas posturas uma com a outra. Cecília é a mensageira que entra no caminho da protagonista e acaba por colocá-la no mundo da sorte; uma figura bem humorada e consciente da maluquice que é o extranatural em que vivem, mas sempre disposta a ajudar a garota perdida.
"É o que a pessoa tem a dizer, e não o que ela aparenta ser, que nos entrega as peças do quebra-cabeças que a define de verdade."
Leandro e Ivana são os vizinhos de apartamento da Sam e, eu diria, as figuras mais carismáticas da história. Leandro é um Youtuber que usa seu canal para tudo, desde aleatoriedades sobre ovos de Páscoa até críticas sérias a respeito da tirania da AlCorp. E Ivana, sua editora e melhor amiga, é de uma presença radiante e um espírito corajoso que eu me apaixonei logo de cara.
Leandro, aliás, é o interesse amoroso da Sam - e que a deusa abençoe um romance bem desenvolvido! Tem aquela faísca de início, as provocações, o flerte, a confiança, a amizade, e o momento em que você quer rolar de cara no chão porque eles são MUITO FOFOS AJKFBASUOGOASUBASGUO
"- A vida é perigosa. Com um pouquinho de sorte, tudo fica bem."
Dentro desse mundo todo de sorte e mensagens e Youtube, existe a AlCorp. No cenário político que estamos vivendo hoje, é quase um espelho do que significa dar poder nas mãos de tiranos. A opressão deles reside no mercado, sim, mas eles controlam tudo - não só os preços são prejudicados, mas o governo, a liberdade, o povo, principalmente. A luta diária que nasce com os protestos ou mesmo os pequenos questionamentos é o que dirige a Sam e outros personagens para continuar resistindo. A opressão não é capaz de calar a voz do povo, e é uma das mensagens poderosas que o livro tem a passar.
Em relação à edição, a Plataforma21 caprichou tanto em capa quanto em diagramação. O livro é um conjunto completo de lindezas e eu não canso de olhar pra esse lettering magnífico feito pela artista Cyla Costa.
Mensageira da Sorte é uma história sobre jovens e revoluções. Sobre uma realidade onde o universo dá escolhas para que você aproveite a sorte ou caia no azar.
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