Ari Phanie 25/06/2020Um manifestoToda vez que eu lia algo sobre Os Monólogos da Vagina era sobre como era ácido, ousado, hilário... Achei que se tratava de um livro com histórias engraçadas que tentavam acabar com o tabu e o mistério em torno da vagina, que fazia uma viagem divertida ao centro de quem, mulheres, somos. Bom, se trata de tudo isso, sim. Mas esse livrinho também contém um monte de porradas no seu peito, no seu estômago, e você vai senti-las até mesmo no seu útero.
O livro começa com um texto introdutório da Eve Ensler falando de como as pessoas tinham dificuldade em falar a palavra vagina, e em como isso chamou a sua atenção o bastante para montar a peça com histórias colhidas de mais de duzentas mulheres de todas as raças, credos e classes.
"Vagina. Pronto, falei. Vagina. Falei de novo. (...) Falo porque acredito que aquilo que não é dito não é visto, reconhecido ou lembrado. O que não falamos se torna segredo, e segredos quase sempre criam vergonha, medo e mitos. Falo porque um dia quero me sentir confortável falando, e não envergonhada ou culpada."
A peça foi bem recebida pelas mulheres, apesar dos receios da Eve. Elas estavam cansadas de ficar em silêncio sobre seus próprios corpos e o modo como eles eram tratados. Eve fala sobre suas memórias mais marcantes do que acontecia ao final de suas peças, e é aí que fica claro que esse livro não é apenas uma ferramenta ousada e irônica para falar da vagina. E a partir daí fica familiar e/ou doloroso o que ela relata nos monólogos.
Sobre a senhora que não "desce lá" há anos porque é um lugar pela qual foi humilhada por ter.
Sobre as inúmeras meninas que tiveram uma menarca conturbada; cheia de vergonha, dúvidas e medos. Eu mesma fui uma delas.
Sobre as mulheres que nunca olharam ou tocaram a sua vagina. E as que nunca gostaram da sua vagina.
Sobre as mulheres que tiveram as suas vaginas invadidas, dilaceradas, mutiladas, arruinadas.
Sobre a mulher furiosa pelos inúmeros exames invasivos e produtos para torturar, e deixar sua vagina mais isso, mais aquilo. Com cheiro de jardim, de flores, de fruta.
Sobre a mulher que achava que sua vagina era um lugar apenas de dor e mais tarde descobriu que podia ser um lugar de prazer também.
Sobre a mulher que amava vaginas.
Sobre a mulher que conhece o poder da vagina e do que surge através dela.
Sobre as mulheres desaparecidas, humilhadas e feridas por terem uma vagina.
Sobre a mulher que sabia que era uma mulher mesmo quando lhe disseram que não era.
Sobre as mulheres que renasceram depois de muita dor e perda.
Sobre a mulher cansada dos estupros e das violências que continuam a acontecer todos os dias e se tornaram tão normal que a maioria das pessoas só suspira e deixa passar. Essa mulher é praticamente todas nós.
A Eve Ensler não aliviou em seus monólogos. Dois ou três tem um tom divertido, mas a maioria vai incomodar, perturbar e angustiar. E no fim das contas, creio que você não pode falar em vagina sem falar em dor e opressão. Mas felizmente, a vagina também é lugar de força. Nos monólogos e, principalmente, na vida você, mulher vai ver que nossa vagina é o nosso centro e que dele podemos extrair poder e libertação. Comece conhecendo sua própria vagina.