Retipatia 04/11/2018
Um mistério para corroer a cabeça a do leitor...
Uma ligação e duas opções: ou o pai de Tomás voltou a beber ou, por mais impossível que possa parecer, uma cabeça acaba de surgir em sua cama.
Em literalidade ao título, a trama se apega ao fato, aquele que não se sabe de onde veio, porque veio: há uma cabeça na cama de Tomás. O que poderia ser o ápice de uma trama tresloucada é, aqui, colocado em foco, dado de bandeja ao leitor. Resta a pergunta primordial, que vai bem além dos porquês e pra quês da cabeça: como a história se desenrola, afinal de contas, se o elemento surpresa está explícito em sua capa?
O segredo, como é possível imaginar, é a narrativa. Que prende e desembola a ação e não ação, de modo que se quer saber cada mínimo detalhe corriqueiro da vida do protagonista, que faz querer conhecer o passado, os segredos mais íntimos e qualquer outra coisa mais. Um detalhe pode fazer toda a diferença para descobrir os comos e porquês, afinal de contas.
E é isso que o autor faz com a história, sintoniza o leitor: é este Tomás, esta é sua família, este é seu emprego, sua casa, suas posses, suas falhas, suas qualidades. É homem comum, engolido dia a dia pela máquina capitalista que só faz querer mais, que faz esquecer quem é, quem é quem e o que é o quê. O quê e quem é que importa, o quê e quem é que conta, por mais sem sentido que isso possa soar.
Com várias perdas ao longo da vida, que vão desde a crença em seu pai que se tornou um alcoólatra, à sua capacidade de ser feliz, até os seus princípios e sonhos, tudo fez de Tomás quem ele é hoje, moldou as relações que tem com seus pais, o deteriorado relacionamento com a esposa e o frágil apego dos filhos.
Bem, esse é Tomás. Mas e a cabeça, talvez você pergunte? E confesso que foi das primeiras coisas que passei a indagar, ainda que, de um modo ou de outro, soubesse que essa, talvez, não fosse a pergunta correta.
Voltemos a cabeça, é ela que dá título ao livro. Ou seria ela quem dá título ao livro? Seja como for, um detalhe é certo, ela pode não ter corpo ou pode ser tida, de todo modo, como viva. Só que não está morta. Fala, fala e fala. E repete e repete. E não faz diferença o quanto Tomás tente ouvir, sabe que seu prazo é curto, ainda que ninguém tenha dito isso, ele sabe, sente em seu âmago. E passamos a sentir também, agonia, asco, curiosidade e um misto de sensações.
Uma história inteligente, crítica e questionadora, que mantém a expectativa do leitor por todas as páginas, que te leva a conhecer todos os lados do personagem e, claro, bem mais da cabeça do que se espera. A Cabeça na Cama faz de cada detalhe, reflexão do mundo corroído de Tomás, da cabeça e de quem lê.
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