Isabella 10/03/2022Bom pra passar o tempo, mas pra se informar...Vou ter que bancar a chata aqui: esse livro tem muitos erros. Muitos erros mesmo! Como entusiasta de mitologia desde criança, e alguém que teve acesso a fontes próximas das fontes primárias de várias mitologias, foi um sofrimento. Mas antes de falar dos problemas do livro, eu quero apontar algumas coisas positivas que observei:
- Em primeiro lugar, a separação entre os mitos gregos e os romanos. Mesmo que alguns mitos romanos sejam helenizados, o espírito das duas culturas/períodos históricos eram diferentes, e pra mim tratá-los de forma separada mostra bem isso.
- Algumas partes do livro tem informações de alta qualidade e que fogem do senso comum. A parte sobre os mitos dogon, falando dos problemas da pesquisa antropológica, é um bom exemplo.
- A diversidade de regiões e povos representados é bastante razoável. Metade do livro é de mitos europeus, mas é complicado fugir disso considerando que as fontes escritas de culturas europeias são bastante abundantes. Povos não europeus com muita literatura escrita ou não tiveram essas obras traduzidas pra línguas europeias, ou elas não foram traduzidas pro inglês especificamente.
- Considerando só as mitologias que eu conheço: os mitos selecionados foram bem representativos (com a exceção de não terem incluído a história de Krishna??? mas incluíram o Bhagavad Gita). Um exemplo interessante é o da mitologia inuit: eu só conhecia o mito de Sedna (que não foi incluído), mas pra mim o mito da baleia representou bem os valores culturais daquele povo.
Infelizmente, pra mim, a avalanche de erros manchou os pontos positivos e o potencial que esse livro tinha. E são vários tipos de erro: desde erros ortográficos (especialmente em nomes de figuras mitológicas), nomes trocados e problemas de tradução, até erros tipo colocar uma imagem de Atena pra representar Hera. Mas os erros mais graves são os erros factuais.
Um problema sério com obras de divulgação de mitologia é que muitas vezes elas se baseiam em trabalhos desatualizados do século XIX ou início do século XX. Estou falando de autores como Bullfinch e Graves (mitologia grega) ou Budge (mitologia egípcia), sem falar em textos "antigos" forjados (mitologia eslava). Esses autores misturavam livremente a evidência antiga com suas próprias conjecturas (e às vezes invenções purinhas!).
Observações que considero importantes:
- A ideia de que Héstia abriu mão do seu lugar no Olimpo pra Dioniso não é antiga, é do Graves. Na Antiguidade, Héstia sempre foi considerada uma deusa olímpica, enquanto Dioniso podia ser ou não
- Hécate ser uma deusa anciã é uma ideia moderna (não sei qual a origem dessa ideia, só sei que é popular em círculos neopagãos). Hécate é uma deusa virgem, associada a Ártemis em períodos tardios
- Mudaram a sequência de acontecimentos nos mitos de Dioniso e de Cibele e Átis
- Não sei se isso é um problema no original ou só da tradução, mas na parte de mitologia egípcia chamam de Áton tanto a divindade criadora da Enéade de Heliópolis (Atum) quanto o deus do disco solar cultuado por Akhenaten (Aten)
- "A criação e os primeiros deuses" é uma zona total cheia de invencionices do Budge. "Osíris e o submundo" foi diretamente baseado em Plutarco e nas Contendas de Hórus e Seth e é confiável (embora não seja 100% representativos de crenças nativas egípcias, pelo menos são fontes *antigas*)
- A existência de Chernobog e Belobog é, no mínimo, controversa. Chernobog é mencionado apenas por um missionário do século XII, e não é possível encontrar o nome Belobog em lugar nenhum, o nome é pura conjectura
- Algumas partes do livro são bem eurocêntricas e isso é mais óbvio quando as narrações são baseadas em relatos de ~exploradores~ ou missionários
Resumindo: não leia este livro esperando informações precisas e confiáveis sobre mitologia. Leia como entretenimento e como uma forma de abrir as portas pra esse mundo. Eu mesma me interessei em saber mais sobre a cultura asteca, por exemplo.