Mar de Rosas

Mar de Rosas Raquel Naveira




Resenhas - Mar de Rosas


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Krishnamurti 30/07/2018

A obra “Mar de Rosas” de Raquel Naveira um farol de maturidade
Interessante a memória humana... Cresci ouvindo meu pai repetir: “Do berço ao túmulo um caminho que todos nós devemos trilhar, de passo a passo um espinho, de légua a légua uma flor”. No início, ainda criança,não me dava conta perfeitamente que “caminhada estranha” seria essa, mas o tempo ensina. E como ensina. Há humanos, todavia, que não guardam egoisticamente para si o aprendizado. Partilham-no. A senhora Raquel Naveira, escritora de longo curso, publicou recentemente um delicioso e delicado volume de crônicas com o sugestivo título de “Mar de rosas”, que, para além da impressionante qualidade literária está enriquecido com um ensaio - publicado à guisa de Prefácio -, escrito pela crítica literária Alexandra Vieira de Almeida. A própria Alexandra aponta nessa obra de Naveira a capacidade de brincar com nossa ótica através da ambiguidade que perpassa esta metáfora sutil e cruel, como o mar, e delicada como as rosas, se bem que vermelhas, a destilar o amor e o sangue, a vida e a morte, nossa vida e morte Severina. Eis ai o mote dos textos de Raquel, A vida em sua plenitude, vista pelos olhos da maturidade, com seus altos e baixos, seus e vôos e quedas abismais. Assim a vida, e justamente por ser assim, deve ter um norte, uma direção que cada um de nós imprime. E ficamos por aqui quanto às considerações de caráter literário, para dar voz à autora e sentirmos como, e por quais meios, segue a “Brincadeira” de Raquel Naveira que de brincadeira em verdade não tem nada. Senão vejamos:
Na crônica-título “Mar de rosas”, lemos certo trecho, que nos indica a exata medida do grau de lucidez da autora, quanto aos rumos perigosíssimos que demos e continuamos a dar, a nossas vidas: ”E o mundo não está mesmo um mar de rosas. À nossa volta, o princípio das dores: rumores de guerra, violência, nações contra nações, terremotos, fomes, refugiados, irmãos contra irmãos, filhos contra pais. O poeta Vinícius de Moraes, no poema ‘Rosa de Hiroshima’ nos alertou que, desde aquele fatídico dia 6 de agosto de 1945, quando a primeira cidade foi arrasada pela bomba atômica lançada pelos americanos no Japão, as feridas seriam abertas como rosas cálidas, no seio de milhares de mortos, no seio da humanidade. Rosas radioativas, estúpidas, inválidas, sem cor, sem perfume. Somos sobreviventes num mar de rosas de sangue”.
Já na crônica “Coruja” a autora deixa escapar essa sensação de danação iminente que a todos acomete ante tanto desnorteio e despautério de um mundo em que os homens insistem em permanecer numa adolescência irresponsável: “Quando esta Babilônia em que vivemos ruir, com todo o seu sistema econômico, político e religioso, que nos seduz e suga nosso sangue, a cidade apocalíptica será reduzida a possessão de corujas e lagoas de águas, varrida com a vassoura da perdição”. Mas não se pense ou se insinue que há aquele pessimismo extremo e derramado, não, há a força para contornar as agruras como deve ser.
No belíssimo texto “Sapatos vermelhos”, ela nos adverte quanto aos perigos que a vida nos apresenta, sobretudo os criados por nós mesmos, ao escrever: “Há armadilhas, arapucas, iscas escondidas nas trilhas da mata. Há que se saber quando parar. Mas nunca nos parece que conseguimos o suficiente para completar a carreira”. E ainda, na criação de uma significativa metáfora, a crônica nos conta de uma jovem que teve “os pés cortados” pela realidade fria e cruel da vida, ao tempo em que nos vem a resposta ou reação que deve ocorrer: “É preciso voltar e se fortalecer. Receber um poder que vem do alto. Achegar-se às coisas simples. No fundo penso que vou me recuperar, que meus pés vão crescer de novo, que vou voltar a correr, descobrir um caminho, virar mais páginas em branco. Terei o espanto de uma nova oportunidade. Receberei uma bênção incondicional. Uma unção em óleo perfumado. Costurarei pedaços de tecido vermelho sobre meus cotos suturados. Usarei linhas duplas, mas coserei com doçura de fiandeira que sou”. Inesquecível uma crônica assim.
O que buscamos? Qual afinal o sentido da vida? Muitos, mais o elementar, aquele a que todos têm direito, e que depende exclusivamente de cada um de nós é explicitado sob o ponto de vista dos Fazendeiros(as) do ar, que são os escritores conforme bem definiu Drummond em sua obra metafísica. Crônica “Sete”. “Quanto mistério. Seguro firme o meu castiçal de sete velas. Aparo os pavios, encharco-os de óleo, lustro os desenhos de folhas de amendoeira em metal dourado. E vou escrevendo, trabalhando textos com paciência, limando palavras, sofrendo crueldades que não posso registrar nessas páginas. Já me arrependi de tudo, por mim e por todos. Felizmente conserva-se acesa a luz desse castiçal de sete velas sobre a minha mesa. Que nunca seja retirado desse lugar. Preciso de luz”. A luz do entendimento de quem lucidamente acredita “na máxima de Heráclito quando afirma que ‘Tudo muda, menos a mudança’. Que não entramos no mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece, já não se é o mesmo, assim como as águas já serão outras. Mergulhei em águas profundas, perigosas. O campo verde onde deitei meus desejos foi lambido por um fogo que consumiu e transformou tudo em cinza, em brotos, em renovo”. (Crônica “Mudança”).
Na crônica “Perfume”, temos belo exemplo do virtuosismo literário da autora ao associar o ar em volta de si, com os cheiros distantes no tempo, rastros de fragrâncias, fios de memória que não se perdem jamais, não estão condenadas a perder importância, serem consumidos e desbotados, como a vida do herói proustiano: “São combinações que agem sobre o meu psiquismo e me jogam em cenas de um passado longínquo. São notas que se fixaram no fundo do meu coração, da minha mente e evocam recordações”. Recordações que ela interliga, une, conecta com a realidade circundante, aquela coisa fluida boiando em um monte de lembranças que sempre nos conduz a uma nova e promissora visão da vida.
O livro de Raquel Naveira reúne 37 belíssimas crônicas. Impossível citar todas, mas não podemos deixar de lembrar de textos como “Branca de neve”, “Castelos”, “Dicionários”, “Elétrica”, “Lobos e lobas”, “Meninas de Rosa e Azul”, “Pedras preciosas”, “Por do sol” e “Redes”. São textos que nos fazem sentir e pensar profundamente. Com efeito.
E como a autora tem em mente o dito de Manoel de Barros que definiu o poeta como “um ente que lambe as palavras e depois se alucina”, e que, como os loucos, “se comunicam com o inanimado, inventam, fantasiam, voam fora da lógica, criam metáforas, dão mais importância ao sonho que a realidade, ela em seu atilado sentido do humano, se contaminou de poesia que é “doença da alma, sublimação, catarse”, e estará lançando também o livro “Menina dos olhos”, do qual extraímos para deleite do leitor o poema “Beijar”
Beijar tua boca, / Teu hálito de homem, / O sopro da tua vida / que sugo aos poucos, / Afogando-me num mar de espumas, / De estrelas de pontas porosas.

Beijar teu corpo, / Teus músculos, / Deixar-me amparar / Como pérola no estojo úmido, / Lesma no caramujo, / Marujo nas areias da ilha.

Beijar / Cavidades, / Claridades, / Pedaços da lua que se descobrem, / Numa noite sem segredos.

Depois, trazer na pele / Tatuagens de brasa / E, na alma, / Sonhos prestes a se soltarem / A se abrirem como asas”.


EM TEMPO: As duas obras da autora, este “Mar de rosas (crônicas) e o de poesia “Menina dos olhos”, serão lançadas dia 03 de agosto próximo, das 19:00 às 22h., no hotel Pousada Dom Aquino – Rua Dom Aquino nº 1806 (Centro), em Campo Grande – MS.
Livro: “Mar de rosas” - Crônicas, de Raquel Naveira. Editora Penalux, Guaratinguetá – SP, 2018, 112p.
ISBN 978-85-5833-375-7

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