Gabriel 20/02/2019
Jovens, vocês não tem ideia do quão sortudo vocês são. Eu me senti um senhor de 80 anos agora, mas no auge dos meus 25 anos de vida (alguns bem vividos, outros nem tanto) eu digo com propriedade que há 10 anos atrás a quantidade de livros que discutiam temas relacionados com a adolescência eram bem poucos. Nunca entendi o motivo das gerações passadas negligenciarem tanto o tema e tratarem como frescura ou "explosão de hormônios" os sentimentos dos jovens. Digo isso pois é uma fase extremamente complicada e decisiva para a nossa vida e, durante tal período, formamos o nosso caráter e vislumbramos os primeiros sinais do que de fato é viver. Acho que por ser tratar de uma fase intermediária, pois você não é nem criança e nem adulto, torna esse período tão conturbado e misterioso para alguns. São muitas dúvidas, incertezas, questionamentos e muitas vezes, o adolescente não sabe para quem redirecionar essas questões. É uma fase de descobertas diárias, de formações, aprendizagens e sentimentos à flor da pele. Começo o texto dessa forma, pois torno a bater na tecla de que representatividade é importante e acho louvável a iniciativa de autores que estão surgindo com propostas tão interessantes e irreverentes de tratarem temas que ainda são tabus. A adolescência é uma parte importante da vida, contudo, ainda pode ser um período divertido e extremamente gostoso para todos nós e é exatamente isso que o livro Manu, Ela retrata de forma tão simples. Quisera eu que em minha adolescência tivesse lido livros como esse, mas vamos parar de nostalgia antes que eu comece com o papo de: "Mas no meu tempo..."
Falando do livro em si, vamos conhecer a história de Anna, uma adolescente extremamente mal humorada e ranzinza (quem tem 80 anos agora, hein?). Ela, por diversos outros motivos, se sente perdida com relação ao seu futuro e não sabe muito bem que caminho seguir. Seus pais, diariamente a comparam com seu irmão mais velho, o prodígio da cidade e o motivo de orgulho da família inteira. Dimas Jr foi o garoto mais popular da escola e agora estuda em uma universidade fora da cidade, porém, Anna ainda se vê na sombra do irmão, sendo cobrada a obter os mesmos êxitos do irmão mais velho. Seu desempenho na escola não é ruim, porém, são aquém do esperado com relação as notas que o irmão tivera durante o mesmo período; Dimas, extremamente popular e paquerador. Anna, um zero a esquerda, cuja única amiga Beatriz a tira do sério. Como se a situação já não fosse ruim o bastante, sua mãe é extremamente controladora e rígida, principalmente com a alimentação da família e para Anna comer um singelo chocolate é preciso ter um estoque clandestino no quarto. Some isso a problemas de auto estima por não possuir a aparência que jovens da mesma idade possuem. "Você nunca irá encontrar um marido vestida desse jeito, Anna", sua mãe vive repetindo.
A protagonista não sabe muito bem o que será do seu futuro. Ao contrário das outras pessoas, ela não tem certeza sobre que curso irá cursar na universidade e nem no que trabalhar e o sentimento de fracasso só cresce por conta das cobranças em ser uma pessoa que ela claramente não é. Os únicos prazeres que Anna tem são ouvir seus CDs de rock clássico e comer os chocolates escondidos de sua mãe, porém, após o reencontro com sua amiga de infância, Manuela, as coisas começam a mudar pra a adolescente. Além de fato ter encontrado uma amiga, Anna consegue sentir confiança em se abrir e contar o que de fato ela sente. Com Manu, ela sente que pode ser livre e ser exatamente quem ela é. Comer o que quer, ouvir o que quer, se vestir sem ser julgada, dentre outras coisas. A relação entre Anna e Manu se torna cada vez mais próxima e as duas vão se aproximando cada vez mais e surge mais um novo conflito na vida de Anna: Como lidar com os sentimentos românticos recém descobertos pela amiga?
Por uma rápida análise desse resumo, deu pra perceber que o livro toca em temas extremamente delicados para a nossa sociedade, mas que precisam urgentemente serem discutidos? Eu destaco alguns, como o controle dos pais, principalmente da mãe de Anna fica evidente a cada página e durante o livro e levantei muitas questões com relação a individualidade de cada ser. Até que ponto os pais podem e devem influenciar na criação dos filhos? Outro tema que me peguei horas e horas pensando sobre é a forma com que somos influenciados por meios externos a fazer coisas que não queremos. O pior de tudo é que muitas vezes acabamos fazendo uma faculdade que não gostamos ou trabalhando em algo que não é bem o nosso ramo justamente para agradar e satisfazer a necessidade de outros. A descoberta da sexualidade também é um tema muito confuso, principalmente durante a adolescência que ainda não sabemos muito bem do que gostamos. A narrativa do livro é bem simples e você consegue finalizá-lo em uma tarde, justamente por você se envolver e se reconhecer nas personagens. Eu, se pudesse categorizar Manu, Ela, diria que é um livro de verão, daqueles que você senta em um lugar com uma brisa gostosa, um copo de chá gelado e apenas curte o momento. Achei a escrita do Marcos bem objetiva e gosto da forma que ele construiu a história e passa por todos esses temas confusos de maneira tão gostosa de ler. O livro mescla muito bem as discussões que citei anteriormente com situações cotidianas, tudo escrito de maneira irreverente e divertida. Confesso que no início foi bem difícil em gostar da Anna, queria dar uns sacodes nela pra deixar de ser tão rabugenta, porém, com o avanço da narrativa, você entende tudo que a mesma passa e começa a se reconhecer um pouquinho na personagem.
Durante a adolescência, temos a tendência a achar que qualquer problema é o fim do mundo (eu sei, culpem os hormônios), mas acredito que ler livros que te representam de alguma forma tornam as coisas mais simples. Novamente torno a dizer que o nicho da literatura que abordam esses temas só está crescendo e há uma infinidade de obras que retratam as mesmas dúvidas que estão passando por sua cabeça agora, isso eu posso garantir. As escolas também já estão mais conscientes e acredito que até em casa (com exceção de alguns tristes casos), é possível obter suporte. Em todo caso, se querem começar por algum lugar e buscar conforto e reconhecimento em livros, Manu, Ela é, definitivamente a escolha certa para você.