Katia Rodrigues 16/06/2022
Crônicas lambuzadas de dendê e humor ácido
Diferentemente do que ocorre com outros gêneros textuais em que a perfeição é indispensável, na crônica a excelência absoluta é inconveniente. Os caminhos confusos e tortuosos são mais interessantes. Digo isso porque, seus leitores buscam nelas as carências humanas, buscam tudo aquilo que limita e arruína a espécie.
Franciel nos mostra os sinais da vida soteropolitana. Passeando por diversos temas: do futebol à política local. Registrando o circunstancial do cotidiano mais simples, acrescentando fortes doses de humor, ironia, crítica e poesia.
O humor é, em Ingresia, o grande catalisador dos excessos de toda ordem - os da carne e os do espírito-, o ingrediente que concede um semblante amável ao que, sem ele, seria medíocre.
"Se Deus não existe, tudo é permitido ? menos virar a casaca?. Caso o angustiado Dostoiévski fosse brasileiro e apreciasse o ludopédio, com certeza a sua célebre frase viria com o acréscimo acima que está em negrito. Afinal, em Pindorama aceita-se (e convive-se com) tudo: maracutaias, mentiras, falta de educação e outras chibanças muito mais criminosas, como a depilação masculina, por exemplo. No entanto, o único deslize que não se perdoa é a mudança das cores clubísticas. Isso não, nécaras e jamais."
"Quando decidimos contrariar Machado de Assis, deixando o legado de nossa miséria para outra criatura, não resta alternativa senão tentar impingir-lhe marcas indeléveis. E a principal de todas, nesta pátria de chuteiras coloridas, é forçar o futuro herdeiro das dívidas a vestir e honrar a camisa do clube que escolhemos amar."
A meu ver, Franciel é um cronista excepcional que mais do que conseguir nos seduzir em poucas linhas e nos levar pelo pescoço até onde se propõe. Quer dizer, ao riso, à ternura, ao ódio, à compaixão, etc..., vai além. Imprimi uma voz genuinamente criativa como poucos.
Uma das melhores leituras do ano ??