lightweaver 18/02/2024
Eu fiquei com uma pessoa que tinha outra pessoa (sabido entre as duas partes).
Esse autor claramente é um gênio, uma pessoa muito á frente de seu tempo. Não queria falar muito tecnicamente sobre esse livro mas a verdade é que quem escreveu ele é um gênio. Um gênio em análise psicológica de personagens, um ótimo contador de histórias e também um ótimo usuário da língua portuguesa. Ele escreveu um romance que durou mais que a música da Sonia Mendes, mais de um ano e meio. Prosseguindo. Percebi algo que me deixou louco enquanto lia esse livro, da para perceber claramente que o autor desse livro tem como língua materna o português e que esse livro não é traduzido de outro idioma para o nosso, ele nasce português. Ou talvez seja porque o livro é do século 19 mas eu acho que não, já tinha a minha suspeita quando li Capitães de Areia do Jorge Amado e se confirma agora com essa leitura concluída de Machado de Assis. Fascinante.
Eu diria que o verdadeiro vilão dessa história é o tempo, ou talvez ele seja um anti-herói e o vilão sejamos nós, aqueles que o desperdiçam de forma tão leniente, de mão beijada o deixamos escorrer pelos dedos como água e que também desperdiçam a passagem dele. Mas o tempo (e é outro ponto em que eu espero a indulgência dos homens pensadores!), o tempo caleja a sensibilidade, e oblitera a memória das coisas. É um fenômeno absoluto. O protagonista dessa história é um defunto autor, ele escreve a sua história depois de morto (isso deve fazer sentido em algum lugar) e talvez seja por esse motivo que a história seja bem melancólica, afinal de contas é um defunto que teve uma vida peculiar (ele é um fruto de seu tempo, acho que isso basta para o definir um pouco) quem a conta. Por ele ser um defunto autor, também tem as características (de um defunto), um defunto (autor) é desprovido de qualquer tipo de decoro e de fato não há decoros narrativos por aqui. A história é recheada de sarcamos, deboches e ironias contra uma sociedade completamente contraditória. Eles vivem entre a piedade religiosa, a brutalidade da escravidão e hipocrisias sociais sem limite. Esse autor faz tudo isso de uma forma tão engraçada que eu me peguei rindo muitas vezes.
Os personagens dessa história são ótimos, todos eles foram bem construídos e bem abordados e ela (a história) não teria sido a mesma caso algum deles tivesse ficado de fora. Imagine o absurdo. Recomendo esse livro para todos que tenham a curiosidade e o destemor de encarar os terríveis clássicos que é vendido e atribuído ao Machado de Assis. Sempre tive uma visão desgostosa do Brasil (exportado diretamente do tio-sam) e ler clássicos está me ajudando na construção da minha identidade nacional. Imagine só, estou vivo há 29 anos e mesmo depois de uma vida inteira de pura ignorância (e de desgosto por tudo aquilo que é nacional) cá estou, tentando descobrir e desbravar esse lugar que é o Brasil e também a sua história. Não estou mais padecendo de um modo cru, porque o tempo é indiferente ás virtudes do sujeito; quando rói, rói; roer é o seu ofício. Nunca é tarde demais (até ser, portanto aproveite).